É evidentemente saneadora a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no dia 17, que pôs na ilegalidade as doações eleitorais de empresas. Restabelece-se, assim, o princípio democrático de que ninguém além do eleitor pode ditar o rumo das eleições e do governo eleito. Mas há um outro desdobramento, tão ou mais saudável, que deve ser observado: agora, sem o dinheiro que entrava à beça, restará aos partidos elaborar, já para as eleições de 2016, uma campanha que conquiste votos não pela magia de caríssimos marqueteiros, que vendem aos incautos o que jamais poderá ser entregue, mas sim pela proposição de ideias e programas, no corpo a corpo das ruas.
Já era hora de dar um basta na desabalada gastança eleitoral, fruto da cornucópia de empreiteiras, bancos e grandes companhias muito interessadas em transformar políticos em seus delegados no Legislativo e no Executivo. É certo que política é também encenação, mas as campanhas, com a fartura proporcionada pelo poder econômico das pessoas jurídicas, se transformaram em mero espetáculo, em que o eleitor é ludibriado por efeitos especiais que escondem a ausência de propostas concretas para a vida do País.
Hoje, no conforto de um estúdio de TV, acompanhado de imagens edulcoradas sobre sua alegada competência, o candidato jamais corre o risco de ser contraditado, de ter de dar explicações, de olhar nos olhos do eleitor. Mesmo os debates pela TV, que deveriam ser o lugar do confronto de ideias, foram descaracterizados de tal modo que os candidatos não correm nenhum risco de ter de falar a sério.
O impacto financeiro do fim das doações eleitorais por parte de empresas será muito grande. A principal fonte de financiamento das campanhas passará a ser o Fundo Partidário, que hoje conta com R$ 867 milhões – valor que não cobre nem 20% do total despendido nas últimas eleições municipais, em 2012, conforme mostrou reportagem do Estado.
O PT, que gastou cerca de R$ 835 milhões naquela eleição, teria condições de cobrir apenas 14% de suas despesas. Calcula-se que os partidos terão de cortar até 65% de seus gastos se quiserem se adequar à nova realidade no ano que vem.
Essa estimativa é conservadora, porque o Fundo Partidário serve também para as despesas administrativas dos partidos. Assim, é muito provável que esses recursos sejam insuficientes, mantido o padrão atual, para viabilizar mesmo modestas candidaturas.
É sempre possível que os políticos se mobilizem para aumentar o Fundo Partidário, cujo crescimento tem sido exponencial. Somente neste ano, a elevação obtida pela articulação das lideranças do Congresso foi da ordem de 200%. Essas manobras obscenas, no entanto, têm limite, pois dependem de um Orçamento federal cada vez mais limitado. Para alcançar o valor necessário para bancar as campanhas no padrão perdulário da eleição de 2012, que consumiu mais de R$ 4,6 bilhões, seria necessário quase sextuplicar o Fundo Partidário. É altamente improvável que o Executivo destine mais dinheiro para esse Fundo, pois isso significaria retirar verbas de diversos programas.
Agora, os partidos e seus candidatos terão de buscar financiamento diretamente com as pessoas físicas e também terão de se expor mais, conversar mais e apertar mais mãos se quiserem se eleger. Essa conjuntura tende a mudar drasticamente o tipo de campanha – e de política – que se pratica no Brasil.
Para os partidos aos quais não interessa o autêntico debate – como o PT, sempre avesso a expor suas contradições –, essa nova situação é obviamente desconfortável. Tanto é assim que, diante da perspectiva de ficar sem a contribuição das empreiteiras, o partido – que em seus primórdios se financiava graças à garra de sua militância, mas desde sua chegada ao poder se viciou no dinheiro fácil – passou a defender o financiamento público. Não surpreende: com sua capacidade de convencimento bastante abalada, resta ao PT esperar pelo dinheiro arrancado compulsoriamente dos eleitores, petistas ou não.
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