Por Edna Simão, Leandra Peres e Vandson Lima – Valor Econômico
BRASÍLIA - O governo poderá descontar até R$ 55 bilhões do resultado das contas públicas relativos às despesas que já deviam ter sido pagas e que estão sendo regularizadas neste ano, as chamadas "pedaladas fiscais". Ao fixar este valor, o relator da revisão da meta na LDO de 2015 contrariou a proposta do governo, que pretendia dar seguimento à tramitação sem que um valor máximo para o déficit do ano fosse definido, mas o valor fixado pelo deputado Hugo Leal (Pros-RJ) é superior à estimativa de R$ 50 bilhões feita ontem pelo Tesouro Nacional para o estoque das manobras contábeis.
Com a nova redação do projeto, o déficit fiscal de 2015 poderá chegar a R$ 115 bilhões (1,99% do PIB). O montante de 'pedaladas' que poderá ser descontado é relevante para o enquadramento na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A alteração foi uma exigência da oposição, que não deixou avançar a votação do projeto que muda a meta fiscal sem que fosse definido um valor máximo para o déficit do ano. A ideia do governo era que o valor do resultado de 2015 só fosse definido depois de um acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU) para pagamento das "pedaladas".
Ontem, o secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, fez os primeiros esclarecimentos sobre a meta fiscal do ano desde que a última revisão foi divulgada na terça-feira. Pelos cálculos apresentados pelo secretário, o saldo de R$ 50 bilhões em atraso inclui o pagamentos de subsídios devidos de 2014, mas também a dívida do governo com atrasos de repasses ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS, e por isso supera os R$ 40,2 bilhões estimados pelo TCU.
Saintive negou que o Tesouro esteja "pedalando" despesas em 2015 e confirmou que a devolução de R$ 30,5 bilhões do BNDES para o governo deve ocorrer ainda este ano. O secretário informou que já pagou R$ 17 bilhões dos subsídios atrasados e que não há atrasos nos repasses do Bolsa Família e seguro-desemprego em 2015. "Os pagamentos estão em dia. Mudamos nosso comportamento", disse, sobre repasses a programas sociais.
O secretário do Tesouro explicou que o governo tem dado prioridade ao pagamento das dívidas mais antigas, com correção e juros mais elevados, seguindo o que o governo considera uma exigência da Lei 8.666 (licitações). Com isso, os valores vencidos em 2015 estão sendo contabilizados no estoque total da dívida, mas se houver acordo para um parcelamento como TCU. ou se o tribunal exigir o pagamento das "pedaladas" numa só parcela, esses gastos entram no valor negociado. "Nosso objetivo é pagar esses passivos, e este ano já pagamos praticamente 1/3 da dívida", explicou Saintive.
O procurador do Ministério Público no TCU, Júlio Marcelo, questiona a metodologia de pagamento do Tesouro. Em representação à corte, afirma que o governo continua atrasando pagamentos de subsídios neste ano.
A equipe econômica aguarda a publicação do acórdão do TCU sobre o pagamento das dívidas atrasadas para apresentar uma proposta de pagamento. De acordo com Saintive, o governo trata cada dívida em separado e pode propor a quitação integral de uma parte e o parcelamento de outras. Ele citou, por exemplo, a chance de parcelar o que o Tesouro deve ao FGTS.
Se houver o pagamento integral neste ano, a meta de déficit primário do setor público consolidado vai saltar de R$ 48,9 bilhões para R$ 115 bilhões. Esse valor considera a possibilidade de abatimento de R$ 11,1 bilhões do leilão das 29 hidrelétricas com concessões vendidas, os R$ 55 bilhões das "pedaladas" e, pelo lado positivo, que os Estados e municípios devem ter um superávit de R$ 2,9 bilhões.
Para reduzir o impacto dos pagamentos da "pedaladas fiscais" da dívida pública, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou redução de R$ 30,5 bilhões do orçamento do PSI. Nesse caso, o recurso financeiro deverá ser devolvido aos cofres do Tesouro Nacional. Para Saintive, a "probabilidade é alta" de a operação acontecer ainda neste ano. Mas o secretário deixou claro que ela não tem impacto no resultado primário.
Saintive deu as declarações durante entrevista para comentar o resultado de setembro do governo central, que registrou déficit de R$ 6,932 bilhões no mês passado, o que levou o resultado do acumulado do ano a ficar negativo em R$ 20, 9 bilhões. O secretário voltou a ressaltar a queda da arrecadação federal como principal justificativa para a piora expressiva das contas públicas. Ele afirmou que o governo tem feito sua parte, com uma queda real de 4% nos gastos, o "esforço fiscal possível dentro da rigidez fiscal que existe hoje".
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