Camilla Veras Mota – Valor Econômico
SÃO PAULO - O descolamento entre os indicadores de atividade e emprego que marcou o ano passado não sobreviveu aos primeiros meses de 2015. Entre janeiro e maio os números do mercado de trabalho deixaram para trás o desemprego em mínimas históricas e o crescimento da renda média real na casa dos 3% e mostram, em alguns casos, desempenho pior do que nas crises de 2003 e 2009.
Desde fevereiro, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registra saldos negativos de vagas com carteira assinada no acumulado em 12 meses. Situação inédita na série disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que começa em 1999, ele já soma perda de 593,4 mil empregos até maio.
Há sete meses, os salários de contratação apurados pelo registro têm caído em termos reais sobre o mesmo período do ano anterior - o que não ocorria desde outubro de 2003, quando o mercado formal vinha de uma longa sequência de quase dois anos de redução real da remuneração paga aos recém-admitidos.
Os salários de desligamento, ressalta o professor da FEA-USP Hélio Zylberstajn, crescem de forma contínua, mesmo descontada a inflação. A "boca de jacaré" formada pela trajetória das duas variáveis - a remuneração de admitidos em queda e o crescimento dos salários de desligamento -, comum em momentos de distensão do mercado de trabalho como o atual, representa um ajuste de custos significativo para as empresas, que estão substituindo funcionários "mais caros" e, consequentemente, um volume menor de renda disponível para o consumo.
Essa combinação de ajuste forte e simultâneo no emprego e nos salários não aconteceu nas crises de 2003 e 2009. Para Igor Velecico, do Bradesco, ela se deve em grande parte ao atual "processo de reconquista de credibilidade do Banco Central". Do ponto de vista macroeconômico, afirma, um "BC com credibilidade" consegue fazer com que os ajustes ocorram mais via preço - salários - do que quantidade - empregos. "Para isso ele terá que mostrar que fará o ajuste em quantidade hoje, para que, nos próximos ciclos, as expectativas façam o trabalho de convergência, que será mais via preço."
O professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia salienta, contudo, que a atual política monetária, ao lado da política fiscal contracionista, tem forjado uma "conjuntura depressiva" que pode aprofundar a piora que já se previa para o mercado de trabalho e retardar sua recuperação.
Os números do Caged até maio sinalizam uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) mais intensa do que os demais indicadores, segundo um exercício recente feito pelo Bradesco. No modelo do banco, onde a relação entre o PIB oficial e o "PIB sugerido pelo Caged" mantém-se razoavelmente estável desde 2003, as variáveis tradicionais apontam retração de 1,5% do PIB em 2015, ante queda de quase 5%, quando levado em conta apenas o registro de emprego.
Parte das demissões de 2015, para Fabio Silveira, da GO Associados, é também reflexo do "represamento" de 2014, quando, à espera do resultado das eleições e da realização dos jogos da Copa do Mundo, muitas empresas preferiram resguardar os quadros de funcionários.
No começo do ano passado, lembra o economista, as estimativas ainda esperavam crescimento de 2% do PIB. "Em 2015, houve uma confluência de cenários negativos: os ajustes, as divergências entre Executivo e Legislativo, a Lava-Jato e, agora, o risco de perda do grau de investimento. Vai levar um tempo até que a gente consiga sair do terceiro subsolo", completa.
Para Zylberstajn, da USP, o horizonte longo de recuperação do mercado de trabalho - pelo menos a partir de 2017 - faz deste um bom momento para que o governo estude a proposta de sindicatos e entidades patronais de flexibilização de salários e jornadas de trabalho. "As empresas poderiam reduzir as demissões e evitar os custos de recontratação quando a economia retomar."
Os recordes negativos também se acumulam na Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além da queda forte da massa salarial em maio, a renda média real por trabalhador teve intensa retração no período. Entre dezembro e maio, a variação sobre o mesmo intervalo do ano anterior despencou de alta de 2,7% para queda de 3,6%, na série da média móvel trimestral.
Nesse intervalo, o aumento de 2,4 pontos percentuais na taxa de desemprego - de 4,3% para 6,7% - é a mais intensa em um intervalo de cinco meses desde 2003, quando começa o histórico do IBGE. Bancos e consultorias financeiras já estimam a taxa média de desocupação pelo menos 1,5 ponto percentual acima da média de 2014, de 4,8%, e ainda mais alta em 2016.
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