- O Globo
Os jornalistas chamam de lide as informações mais importantes registradas no primeiro parágrafo de uma notícia. Quem esperava uma declaração bombástica do juiz Sérgio Moro, contra investigados da operação Lava-J ato, saiu frustrado do Congresso dos jornalistas investigativos. Mas, no caso, o lide foi a falta de lide. O juiz cumpre com exatidão seu papel institucional, e esta é a melhor notícia.
Moro não aceita comentar fatos dos processos em andamento, como deve ser, então as melhores perguntas dos jornalistas, no Congresso da Abraji, ficaram sem resposta. Quando perguntado sobre a infeliz declaração da presidente Dilma, comparando as delações, feitas dentro da lei, com as extraídas sob tortura na ditadura, Moro respondeu: "a presidente merece todo o nosso respeito ." Confrontado com uma declaração de um ministro do Supremo, disse que não lhe cabia comentar . O juiz tem muito a ensinar. O apresentador Roberto D" Ávila perguntou se era justo que se divulgassem as acusações do processo antes do julgamento, que poderia, no final, inocentar o acusado.
Moro explicou que, por determinação constitucional, "a publicidade é a regra", ou seja, tem sim que divulgar, a menos que a própria Justiça estabeleça que o processo corra em sigilo. E deu o exemplo do mensalão — que ele chama sempre de Ação Penal 470 — em que a opinião pública foi sendo informada dos eventos à medida que o processo tramitava. Deu para imaginar que terrível distorção seria se os investigados tivessem sido protegidos, e a sociedade tivesse permanecido desinformada. Ele disse que concordava com o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que disse que a Ação Penal 470 foi um ponto fora da curva. Mas, ponderou que o Brasil não pode esperar que um caso salve o país. É preciso uma mudança no sistema que garanta mais transparência, maior obediência às leis, maior respeito aos bens públicos.
Ele foi perguntado sobre sua vida pessoal. Se dorme pouco, quanto tempo trabalha, e disse que não era celebridade. Por que só usa camisas pretas? Coincidência, comprou algumas. O que pretende fazer após o fim da Operação Lava-Jato? "Tirar longas férias. " Diante da pergunta sobre se escreveria um livro, após tudo terminado, para que possa dizer o que está impedido no momento, respondeu que o que pensa está nos autos do processo, que são sempre divulgados. Moro admite que a Justiça é lenta, e quando demora demais está, na verdade, falhando. Acha que o sistema precisa ser aperfeiçoado, de forma a dar celeridade aos processos.
"O sistema está aí para servir à população," diz o juiz. Ao criticar o foro privilegiado, o juiz fez questão de separar duas questões: a imunidade parlamentar que protege o exercício do mandato, e que deve continuar existindo, e as ações criminosas que o político possa ter praticado. No segundo caso, o foro privilegiado fere o princípio da igualdade. Sobre eventuais erros da Justiça, ele avisa onde está: "estou na base" Ao longo da tramitação de um processo, os eventuais erros podem ser corrigidos, lembrou.
O juiz Sérgio Moro precisa lembrar que é de primeira instância, porque hoje suas ações ganharam muita notoriedade. Nunca antes o país viu o que está vendo: empresários que são estrelas de primeira grandeza no mundo dos negócios no Brasil atrás das grades, quatro ex-diretores da maior empresa enfrentando a Justiça, delações sequenciais que, como mostrou o O GLOBO ontem, trazem revelações que coincidem em pontos importantes, confirmando o cerne das acusações. Perguntado sobre qual sua estratégia de investigação, ele respondeu: "zero" , porque quem investiga é a "Polícia Federal e o Ministério Público Federal". As respostas que ele dá não trazem novidade, são normais.
Mas a normalidade não é frequente no Brasil. Ele sabe o que é, o que faz, qual é seu limite e papel institucional. Resiste à saraivada de críticas de poderosos e de seus advogados e permanece na mesma trilha na mais ampla história de corrupção e de promiscuidade entre interesses públicos e privados que já se viu. Se este processo for mais um ponto fora da curva, o Brasil terá perdido uma oportunidade de mudar, mas Moro poderá descansar em suas férias sabendo que fez seu dever .
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