• Táticas de autodefesa contra a Lava-Jato serão reformuladas
- Valor Econômico
Em tempo de retrospectivas, vale começar pelo começo. São duas crises agudas simultâneas, uma política, outra econômica. A descoberta de uma rede de corrupção em forma de praga de crescimento descontrolado colocou o sistema político em estado de pânico. Os acordos passaram a ser feitos exclusivamente no varejo, o atacado político tendo sido fechado por tempo indeterminado. A conjunção do fracasso do projeto desenvolvimentista implementado no primeiro mandato de Dilma Rousseff e de uma nova fase da crise econômica mundial colocou a economia local em queda livre, sem que se saiba quando chegará o chão. O quanto do desastre econômico se deve a cada um dos dois elementos depende da preferência de quem faz a análise.
Em uma situação de crise econômica aguda, o que se espera da política é que mostre um horizonte que pode ser alcançado se o caminho certo for tomado. Como o sistema político está em parafuso, não há organização mínima suficiente para emoldurar dessa maneira a crise econômica. A crise política reforça a crise econômica de maneira perversa. A política resolveu cuidar da política. Tudo o que não for autodefesa contra a Lava-Jato ficou para depois. E o impasse é ainda mais grave porque quem será alijado do jogo pela Lava-Jato ainda tem poder. Muito poder. Não espanta que, desde o início do ano, tenha havido muita confusão no sistema político quanto a qual seria a tática de autodefesa mais eficaz. Nessa situação, algo semelhante a uma mínima recuperação da economia está nas mãos da própria economia. Dado o tamanho do desastre atual, não é improvável que algum alívio seja sentido ainda em 2016. Mas o custo social está sendo cruel e brutal e o despioramento que vier será lento e pouco.
Um momento de quase trégua e organização pareceu surgir quando o vice-presidente Michel Temer assumiu a articulação política do governo, entre abril e agosto. Foi uma das muitas tentativas do governo Dilma Rousseff para evitar o colapso político. Foi uma tentativa de entregar o poder ao PMDB sem lhe entregar a Presidência. O resultado, entretanto, foi um agravamento da situação. Michel Temer e seu grupo tiveram pela primeira vez acesso ao quadro geral de postos ocupados no governo por cada grupo partidário. Em confronto aberto com o então ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante, que tentava limitar ao máximo sua visão de conjunto e sua ingerência, Michel Temer usou a posição para provocar um desequilíbrio de forças a seu favor, tanto dentro de seu próprio partido quanto no restante de todos demais partidos aspirantes a PMDB.
A ação de Michel Temer abriu uma guerra sem precedentes dentro do PMDB e produziu um novo patamar de instabilidade.
A partir de meados de 2015, essa nova forma de desequilíbrio estrutural passou a se organizar em torno de dois grupos. Costuma-se reduzir essa divergência ao embate entre "o PMDB da Câmara" e "o PMDB do Senado", sendo que Michel Temer estaria ao lado do primeiro grupo. Mas essa é apenas a superfície do confronto. O fundo dele mostra duas táticas divergentes de autodefesa do sistema político como um todo.
A primeira tática é representada pelo ainda presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Após inúmeras escaramuças, Cunha declarou guerra aberta ao governo em meados de julho, anunciando com isso a própria saída de Michel Temer da articulação política um mês depois. Cunha convenceu progressivamente um grande grupo dentro do sistema de que apenas a ameaça do impeachment daria real capacidade de chantagear o governo contra a ação da Lava-Jato. Ameaçado de eliminação imediata do jogo, o presidente da Câmara lançou mão da carta do impeachment. Não tinha por objetivo apenas ganhar tempo. Convenceu o grupo que lidera de que apenas a tomada do poder poderia trazer alguma perspectiva real para o projeto de autodefesa. Michel Temer e o PSDB abraçaram com grande desenvoltura a nova fase da tática de Cunha.
A segunda tática é representada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. O desequilíbrio provocado pela ação de Michel Temer como articulador político do governo descalibrou a balança do PMDB, tradicionalmente viciada. O principal ameaçado foi justamente o grupo reunido em torno da tática de Renan. Habituado a sobreviver em condições políticas extremamente desfavoráveis, o presidente do Senado insistiu em que um processo de impeachment só traria mais turbulência ao processo e acabaria por prejudicar ainda mais qualquer tática eficaz de autodefesa. Liderou um movimento para defender Dilma e para fazer com que Temer fosse colocado de volta no lugar de presidente decorativo do PMDB e de vice-presidente decorativo da República.
As novidades da semana que passou comprometeram as duas táticas. O barco do impeachment foi profundamente avariado e deixou de ser, pelo menos por enquanto, uma alternativa. De outro lado, entretanto, o grupo liderado por Renan Calheiros foi profundamente atingido pelas ações mais recentes da Lava-Jato, colocando em questão sua tática de segurar Dilma na cadeira, manter a calma e ir ganhando tempo. Daí a decisão conjunta de Cunha e Renan de manter o recesso parlamentar até fevereiro do próximo ano, apesar da gravidade de um processo de impeachment em curso.
Será um período de trégua tensa para reavaliar a situação e entabular novas conversações entre todas as partes, fundamental para a reconfiguração das forças que virá. O próximo horizonte para um novo equilíbrio precário está posto em março do próximo ano, quando o PMDB realizará sua convenção. Até lá, o partido tentará encontrar uma tática de autodefesa capaz de se impor à maioria. Dado o estado de pânico reinante, quem der menos passos em falso deverá levar a melhor.
A nomeação de Nelson Barbosa para o Ministério da Fazenda não se deve apenas à falta de alternativas. Representa a necessidade de um ministro tampão. O nome definitivo para a Fazenda dependerá da reconfiguração de forças dentro do PMDB. É disso que depende o futuro de Barbosa.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
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