Com 28,7% dos votos, o Partido Popular, do presidente Mariano Rajoy, venceu, mas terá que formar uma coalizão.
Eleição ganha, maioria perdida
• PP consegue manter liderança no Parlamento, mas terá de lidar com fragmentação inédita
- O Globo
-MADRI- O Partido Popular (PP) espanhol garantiu a continuidade da liderança no Parlamento por mais quatro anos nas eleições de ontem. O grande vencedor do pleito, porém, foi a ruptura. Insatisfeitos com uma série de casos de corrupção e com uma elevada taxa de desemprego, eleitores deram fim ao histórico bipartidarismo do país, exigindo do vencedor — não mais detentor da maioria absoluta das 350 cadeiras da Câmara dos Deputados — a habilidade de conseguir formar pactos com adversários diante de uma inédita fragmentação. PP e Partido Socialista (PSOE), que alternavam o poder desde a década de 1980, agora dividem significativamente os assentos com o Podemos e o Cidadãos.
O PP, do atual presidente do Governo, Mariano Rajoy, obteve 123 assentos, 54 menos do que as 176 cadeiras necessárias para uma maioria absoluta. Em 2011, o partido conquistou 186 vagas. Até agora, nunca uma legenda espanhola havia governado com menos de 156 vagas. O PSOE ficou em segundo lugar, com 90 deputados, o pior resultado de sua história. Já o Podemos, criado no ano passado, apareceu em terceiro. O partido antiausteridade obteve 42 cadeiras, mas seus aliados alcançaram mais 27 assentos, totalizando 69. Já o Cidadãos, em quarto lugar, elegeu 40 deputados. O nome do novo presidente do Governo será negociado entre os partidos nos próximos dias.
— Seguimos sendo a primeira força política da Espanha — afirmou Rajoy, depois da divulgação da vitória de seu partido. — Há uma base sólida para o futuro, com mais de 1,6 milhão de votos e 30 assentos de diferença sobre a segunda força.
Pedro Sánchez, do PSOE, deixou claro ontem que cabe ao PP formar um governo, enquanto Albert Rivera, do Cidadãos, deu por aberta um nova era política no país. O resultado dará lugar a conversas para a construção de uma coalizão que pode se estender por semanas, já que aparentemente não há nenhum pacto fácil ao alcance. A Constituição espanhola não fixa um prazo específico para a formação de um governo após as eleições. Muitos potenciais resultados são possíveis, incluindo um pacto de centro-direita entre o PP e Cidadãos, uma aliança de centro-esquerda entre os Socialistas e Podemos ou uma administração minoritária. De acordo com analistas, o resultado do pleito aponta também para um impasse que pode interromper o programa de reformas econômicas que ajudou a tirar a Espanha — a quinta maior economia entre os 28 membros da União Europeia — da recessão e a reduzir a ainda alta taxa de desemprego, que chegou a 27% no início de 2013 e está em cerca de 21%.
De acordo com o Ministério do Interior, a participação nas eleições chegou a 73% de um total de 36,5 milhões de eleitores registrados, quatro pontos percentuais acima do pleito de 2011, quando a taxa de participação final foi uma das mais baixas desde o final da ditadura de Francisco Franco, em 1970. Longas filas foram vistas durante todo o dia. A votação ocorreu sem problemas, e as urnas foram fechadas às 20h no horário local (17h, em Brasília).
‘Espanha precisa de governo estável’
Líder do PP, o presidente do governo, Mariano Rajoy, de 60 anos, foi designado candidato do PP em 2003 pelo então presidente José María Aznar, mas só ganharia oito anos depois, em 2011. Prevendo a fragmentação confirmada ontem, na quarta-feira passada, ele afirmou que consideraria um pacto entre os partidos para assegurar uma administração estável ao longo dos próximos quatro anos.
— Quem ganha as eleições deve tentar formar um governo e eu vou tentar formar um governo, porque a Espanha precisa de um governo estável — assegurou Rajoy ontem.
O resultado de ontem torna ainda pior a situação do PSOE, que em 2011 amargou o seu então pior resultado, com 110 deputados. Na época, muitos espanhóis responsabilizavam o partido pela crise econômica incipiente. O novo cenário coloca também em xeque a situação de seu secretário-geral, Pedro Sánchez, de 43 anos, que ajudou a unir a legenda nos últimos quatro anos. O líder de esquerda perde poder frente ao Pablo Iglesias, de 37 anos, do Podemos. Professor de Ciências Políticas, Iglesias, que fundou o partido, vem afirmando que a Espanha é governada por “mordomos ricos”. Ele volta a surpreender, depois de obter cinco cadeiras no Parlamento Europeu em 2014, apenas quatro meses depois da sua formação. Em maio, foram eleitos prefeitos “indignados” em cidades como Madri e Barcelona.
—A partir desta noite, certamente, a História do nosso país vai mudar — afirmou Iglesias ao votar, na tarde de ontem, no bairro de Vallecas, em Madri.
— Estamos ante uma nova transição democrática, ante uma nova era — disse o advogado Albert Rivera, de 36 anos, líder do Cidadãos.
A corrida eleitoral foi marcada por incertezas. Sete pesquisas de intenção de voto divulgadas em dez dias coincidiam apenas em relação à vitória do PP, atribuindo ao partido de 25,2% a 29,9% dos votos. Muitas apresentavam o PSOE como o segundo mais votado, sem superar 21% (cerca de 94 deputados), seguido de Cidadãos e Podemos, que brigavam pelo terceiro lugar, com cerca de 20% cada. Cerca de um em cada três votantes afirmou que decidiria quem escolheria apoiar apenas no último minuto.
Ao longo de todo o dia, a expectativa de mudança era evocada por eleitores em colégios eleitorais. Os espanhóis mostravam a esperança de um fim do sistema reinante desde 1982, sete anos após a morte de Franco.
— Estamos há muitíssimos anos com o bipartidarismo, temos que renovar a política, PP e PSOE se acomodaram e se esqueceram de nós. Devemos dar uma oportunidade para os novos — disse à agência AFP Francisco Pérez, um trabalhador autônomo de 53 anos, que votou em Hospitalet de Llobregat, no nordeste do país.
— Gostaria que houvesse uma mudança, para que o novo governo olhe um pouco mais para o povo. Agora, vejo nossos dirigentes mais voltados para as políticas impostas por Bruxelas e Alemanha — avaliou Juan José Rodríguez, de 43 anos, no bairro popular Lavapiés, em Madri.
Mas nem todos apostam em uma mudança incerta e um governo instável.
— Não ficamos quatro anos sofrendo para que, agora, tudo vá para o lixo — disse, em um dos bairros mais aristocráticos de Madri, María José Pyñeiro, de 52 anos, diretora de uma revista de moda.
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