Por Andrea Jubé – Valor Econômico
BRASÍLIA - A relação entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a presidente Dilma Rousseff parece uma lua-de-mel, mas é também um cabo de guerra, que tem como pano de fundo o impeachment e a Operação Lava-Jato. Com o poder dado pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que atribuiu ao Senado a palavra final no processo, Renan assume um dos papéis principais no destino político da presidente.
O Planalto nega, mas aliados de Renan acreditam que permanecer do lado do governo em tempos de Lava-Jato garante uma blindagem. Outro motivo para o apoio a Dilma é a disputa interna com o vice-presidente Michel Temer no PMDB.
Já o governo tem como certo o apoio dos senadores, liderados por Renan, Eunício Oliveira (CE) e pelo ex-presidente José Sarney. O Planalto confia em Renan, mas o olha de esguelha. Auxiliares de Dilma lembram que o pemedebista foi líder do governo na Câmara do então presidente Fernando Collor, e dois anos depois despontou como testemunha-chefe na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as denúncias de corrupção em seu governo e apoiou o impeachment. "Mas foi Collor quem traiu Renan", ressalva um aliado.
Fidelidade de Renan depende de rumos da Lava-Jato
A relação entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a presidente Dilma Rousseff parece uma lua de mel, mas na verdade é um cabo de guerra, que tem como pano de fundo o impeachment e a Operação Lava-Jato. Empoderado pela decisão do Supremo Tribunal Federal que deu ao Senado a palavra final sobre a abertura do processo, Renan reassume, 23 anos depois, um dos papéis principais no impedimento de um presidente da República. No passado, migrou de aliado a acusador de Fernando Collor. No presente, veste o figurino de governista. Mas se Renan tornar-se réu na investigação, puxará a corda com mais força, e poderá derrubar Dilma.
A autorização da quebra dos sigilos bancário e fiscal de Renan, revelada na sexta-feira, traz novo ingrediente de tensão na relação com o Planalto. A Lava-Jato bateu à porta do pemedebista, com a busca e apreensão na sede do PMDB de Alagoas, do qual é presidente, bem como nas residências de aliados próximos, como o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Também vieram à tona trechos da delação premiada do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, afirmando que teria pago propina de US$ 6 milhões a Renan e ao senador Jader Barbalho (PMDB-PA), e outra de US$ 2 milhões para o senador Delcídio do Amaral (PT-MS).
"É informação falsa e velha, ele diz a mesma coisa que Fernando Baiano", rebate um interlocutor de Renan. Este interlocutor lembra que no áudio da conversa em que Delcídio planeja a fuga de Cerveró, ele comenta com o advogado Edson Ribeiro a "ausência de provas" contra Renan. "Tem mais coisas do Renan? Não tem...", diz Delcídio. "Acho que o Fernando [Baiano] fala nele", responde Ribeiro. "Fala, mas remetendo ao Nestor [Cerveró]", explica o petista.
O pemedebista e seus interlocutores são veementes ao afirmar que não existem provas concretas contra ele. "Não há materialidade nos fatos", disse o próprio Renan a um senador em diálogo recente relatado ao Valor. Aliados do pemedebista afirmam que o relator da investigação no STF, ministro Teori Zavascki, negou o pedido da Procuradoria Geral da República para realização de busca e apreensão na residência oficial porque não havia indícios suficientes para autorizá-la.
O Planalto nega, mas aliados de Renan acreditam que permanecer ao lado do governo em tempos de Lava-Jato garante alguma blindagem. Se não no mérito, ao menos no ritmo da investigação. O pemedebista responde a seis inquéritos no Supremo, cujas investigações são prorrogadas sucessivamente pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Entre pemedebistas, a interpretação da Operação Catilinárias é de que o alvo era o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas a ação da Polícia Federal no entorno de Renan também foi um recado ao presidente do Senado.
Renan intensificou os sinais de apoio a Dilma justamente na semana em que a Lava-Jato esbarrou nele. O aceno mais notório foi a provocação ao vice-presidente Michel Temer em meio à disputa interna no PMDB. Renan responsabilizou Temer pelo agravamento da crise política, com a centralização das regras de filiação no partido. O Planalto suspeita que Temer estimula, nos bastidores, a aliança entre dissidentes do PMDB e a oposição a favor do impeachment.
Os dois caciques nunca foram próximos. Em abril, a relação deteriorou-se depois que Temer, ao assumir a coordenação política do governo, retirou de um aliado de Renan, Vinícius Lages, o comando do Ministério do Turismo, para acomodar no cargo o ex-presidente da Câmara Henrique Alves, de seu núcleo próximo.
O Planalto aposta na divisão do PMDB e tem como certo o apoio dos senadores, liderados por Renan, Eunício Oliveira (CE) e pelo ex-presidente José Sarney. A afirmação de que "Temer não sabe onde fica o escaninho do Senado" para justificar a alegação de que ele não tem trânsito entre os senadores do PMDB é voz corrente entre aliados de Renan.
Dilma tem se reunido a sós com Renan, investindo no apoio do PMDB do Senado. No dia seguinte à abertura do impeachment, chamou Renan cedo no Planalto. Na quinta-feira, um dia após o entrevero entre Renan e Michel Temer, Dilma convidou o presidente do Senado para almoçar no Palácio da Alvorada, junto com o chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. A mudança na Casa Civil arejou a relação do Planalto com Renan, que não gostava de Aloizio Mercadante. Renan nunca digeriu o discurso de Mercadante em 2007, quando o então senador petista subiu à tribuna para cobrar a renúncia do pemedebista da presidência da Casa.
O Planalto confia em Renan, mas o olha de esguelha. Em abril, quando a relação desafinava, Renan ameaçou votar a autonomia do Banco Central, um tema que desagrada o Planalto. Auxiliares de Dilma temem um rompimento, como ele fez no passado. Lembram que o pemedebista foi líder na Câmara do então presidente da República, Fernando Collor, e dois anos depois denunciou um esquema de corrupção no governo e defendeu o impeachment.
"Mas foi Collor quem traiu Renan", rebate um aliado.
Ele relata que em 1990, então líder do governo, Renan contava com o presidente da República ao seu lado na disputa para o governo de Alagoas, mas Collor deu apoio discreto a outro aliado, o deputado federal Geraldo Bulhões, que venceu o pleito. Renan apontou fraude nas eleições, acusou Collor de traição e deixou o PRN. Em 1992, seria testemunha-chave contra Collor na comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investigou as denúncias de corrupção.
Dilma e Renan ganham na preservação dessa aliança contra o impeachment. O problema é que se baseia, precipuamente, no imponderável: os rumos da Lava-Jato, que atemoriza o mundo político. (Colaborou Maíra Magro)
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