• Dirigido por Silvio Tendler, programa é inspirado em 'Poema Sujo'
Adriana Del Ré - O Estado de S. Paulo
“Esse poema ia ter que dizer tudo, ia ser o poema final. Então, pensei: eu vou vomitar tudo o que vivi, vou vomitar no papel tudo o que vivi, vou criar um magma e vou tirar depois desse magma o poema. O poema começará como um caos, e depois vou fazer o poema do que está ali em estado caótico”, relata o poeta, escritor, ensaísta e crítico de arte Ferreira Gullar, hoje com 85 anos, logo na abertura do 4.º episódio da série documental Há Muitas Noites na Noite, que será exibido neste sábado, 26, às 23h45, na TV Brasil. Gullar se refere ao que se tornaria seu seminal Poema Sujo, escrito em meio à tristeza, à solidão e às incertezas do exílio, em Buenos Aires, em 1975, no período de ditadura no Brasil. Gullar o via como um texto final, uma despedida. Tomou um café, foi para a máquina, mas nada veio. Mesmo diante da falta do “vômito”, tinha certeza que o poema sairia de qualquer
Poema Sujo – espécie de ‘pedra filosofal’ para Gullar à medida que ele transmuta o sofrimento de sua alma em escritos viscerais – acaba sendo o fio condutor de Há Muitas Noites na Noite. O diretor da série, Silvio Tendler, percorre a trajetória pessoal e política de Gullar. Ele parte de 1964, ano do golpe militar, quando o poeta entra para o Partido Comunista; adentra a fase do exílio de Gullar (que incluiu a antiga URSS), traz a leitura do Poema Sujo, e relembra a importância de Vinicius de Moraes, que encontrou Gullar na casa do casal Cecília e Augusto Boal, na capital argentina, e trouxe o poema gravado numa fita ao Brasil. A série segue até 1977, quando Gullar volta ao País, e é interrogado e torturado pelo DOPS.
Os episódios deste sábado, 26, e dos dias 2 e 9 de janeiro são dedicados ao Poema Sujo, que vem em três partes, com sua leitura por intelectuais e artistas, como Eduardo Tornaghi, Maria Bethânia e Sérgio Britto. A série traz ainda muitos outros convidados, entre eles amigos pessoais, que ajudam a reconstruir a história do poeta. O próprio Gullar dá depoimentos, reativando suas memórias. “Ele acompanhou partes (do processo da série). Até ele preferia que fosse surpreendido.
Mas via algumas coisas, ajudava com contatos. Ele não quis controlar, foi generoso”, diz a assistente de direção Juliana Aragão, neta de Gullar.
Ela conta que Silvio Tendler queria transformar um poema longo como esse em algo interessante não só para quem gosta de literatura. Além dos tradicionais depoimentos e imagens de arquivo, Tendler recorre a ilustrações, feitas por nomes como João Pinheiro, Luis Felipe Poé, Maria Amaral, entre outros, recurso interessante para reconstituir cenas que não foram documentadas em fotografias ou mesmo acompanhar visualmente trechos da leitura do poema. Há Muitas Noites na Noite vai ao ar aos sábados, até dia 16 de janeiro e, depois, todos os capítulos devem ficar disponíveis no canal da produtora Caliban, no YouTube.
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