O ex-presidente Lula e dois delatores da Lava-Jato apresentaram versões contraditórias sobre a indicação de Nestor Cerveró para a BR Distribuidora. Segundo Fernando Baiano e o próprio Cerveró, a escolha foi decidida por Lula em retribuição à ajuda do indicado para quitar um empréstimo do PT no Banco Schahin, que pertence a um grupo contratado posteriormente pela Petrobras. Baiano disse ter negociado com José Carlos Bumlai, amigo de Lula. O ex-presidente afirmou que Cerveró foi indicado a pedido do PMDB.
Lula e dois delatores em contradição
• Colaboradores dizem que petista nomeou Cerveró para BR retribuindo ajuda ao PT; ex-presidente nega
André de Souza e Eduardo Bresciani - O Globo
BRASÍLIA- Dois delatores da Operação Lava-Jato apresentaram versões contraditórias com a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a indicação de Nestor Cerveró para uma das diretorias da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. O próprio Cerveró e o lobista Fernando Baiano afirmaram que foi Lula quem decidiu a nomeação, em 2008, como forma de retribuir a ajuda dada por Cerveró para quitar um empréstimo do PT junto ao banco Schahin, que teve uma empresa do grupo contratada posteriormente pela Petrobras. Em 16 de dezembro, após os depoimentos dos delatores, Lula foi questionado sobre o assunto pela Polícia Federal, e respondeu que a indicação partiu do PMDB.
A versão dada por Cerveró e Baiano foi endossada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Em denúncia apresentada contra o deputado Vander Loubet (PT-MS) e outras quatro pessoas também investigadas na Lava-Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reproduziu partes dos depoimentos dos dois delatores. Eles disseram que Cerveró foi para a Diretoria Financeira e de Serviços da BR Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras, como uma compensação por sua saída da Diretoria Internacional da estatal petroleira.
Bumlai telefonou do Palácio da Alvorada
Para isso, pesou o fato de Cerveró ter atuado na contratação do grupo Schahin para operar o navio-sonda Vitória 10.000, o que “quitou” o empréstimo contraído pelo PT. As informações foram divulgadas pelo “Jornal da Globo” e confirmadas ontem pelo GLOBO.
A denúncia contra Loubet, feita em 17 de dezembro do ano passado, traz uma parte do depoimento prestado em 9 de setembro de 2015 por Baiano, que, segundo a PGR, era amigo de Cerveró. Baiano relatou ter pedido a ajuda do lobista Jorge Luz e do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, para que Cerveró permanecesse na Diretoria Internacional da Petrobras. Segundo ele, nenhum dos dois obteve êxito.
Baiano afirmou que Bumlai teria ligado para ele enquanto estava no Palácio da Alvorada informando que conversara com Lula, mas ouviu do ex-presidente que não poderia interferir na questão, uma vez que havia prometido a diretoria à bancada mineira do PMDB. Bumlai também procurou o atual vice-presidente Michel Temer, então presidente do PMDB, mas ele também disse que não poderia contrariar a bancada de Minas, segundo a versão do delator.
Baiano relatou ainda que um advogado — cujo nome não lembra, mas que estaria falando em nome da bancada mineira, liderada pelo deputado Fernando Diniz — sugeriu a manutenção de Cerveró no posto, desde que ele pagasse propina de aproximadamente R$ 1 milhão mensais aos deputados peemedebistas de Minas. Baiano disse ter explicado ao advogado que não seria possível prometer isso, porque a Diretoria Internacional não tinha contratos constantes, apenas negócios pontuais. Baiano afirmou ter contado a Bumlai a proposta de R$ 1 milhão mensal. Depois disso, houve um retorno do pecuarista.
Em seu depoimento, reproduzido na denúncia, Baiano conta que Bumlai telefonou do Alvorada e que o relatou que não havia mais como manter Nestor Cerveró na Diretoria Internacional da Petrobras. Na mesma ocasião, contou Baiano na delação, Bumlai informou que, em razão da ajuda de Nestor Cerveró na contratação do grupo Schahin para operação do navio-sonda Vitória 10.000, Cerveró havia sido indicado para o cargo de diretor financeiro da BR Distribuidora.
Baiano diz no depoimento que subentendeu que a indicação de Nestor Cerveró “teria sido tratada com o presidente Lula”. Conta ainda que, no dia seguinte, telefonou para Cerveró e percebeu que ele ainda não sabia que seria indicado para a BR Distribuidora, o que terminou sendo confirmado depois.
Em seu termo de colaboração do dia 7 de dezembro de 2015, Cerveró também atribuiu sua nomeação para a BR à intermediação do negócio do navio-sonda. Ele diz que, em razão de ter viabilizado a contratação da Schahin como operadora da sonda Vitória 10.000, quando ainda era diretor internacional da Petrobras, “havia um sentimento de gratidão do Partido dos Trabalhadores - PT”.
Cerveró ainda explicou que a contratação da Schahin “objetivava a quitação de um empréstimo do PT, perante o Banco Schahin, garantido por José Carlos Bumlai”. Para ele, como reconhecimento de sua ajuda, Lula decidiu indicá-lo para a Diretoria Financeira e de Serviços da BR.
A Procuradoria-Geral da República endossou a versão dos delatores. Diz a denúncia contra Vander Loubet: “Nestor Cerveró foi politicamente indicado para o cargo de Diretor Financeiro e de Serviços da Petrobras Distribuidora S/A por intervenção direta da Presidência da República. Na época, Nestor Cerveró ocupava a Diretoria Internacional da Petrobras, que deveria ser entregue à bancada mineira do PMDB de Minas Gerais. Como forma de compensação pelo fato de ele ter favorecido os interesses do Partido dos Trabalhadores em determinado contrato da Diretoria Internacional da Petrobras, logo depois de ter sido exonerado, recebeu o cargo em questão na BR Distribuidora”.
Bumlai está preso desde novembro do ano passado e é acusado de intermediar o empréstimo de R$ 12 milhões junto ao banco Schahin, em 2004. Em depoimento realizado em dezembro, ele afirmou que o dinheiro foi destinado ao PT. Na ocasião, o pecuarista desvinculou o ex-presidente de qualquer envolvimento com o negócio. Disse que Lula é seu amigo, que se encontravam nos fins de semana, mas que tinham como regra não falar de assuntos políticos ou econômicos.
Bumlai negou que tenha pedido a Lula que mantivesse qualquer diretor da Petrobras no cargo. Segundo Fernando Baiano, a bancada mineira do PMDB acabou indicando Jorge Zelada para a Diretoria Internacional da Petrobras. Mas o delator relata não saber se ele se submeteu ao compromisso de repassar recursos periodicamente aos deputados do PMDB de Minas. Zelada também é investigado na Operação Lava-Jato. Baiano, preso em novembro de 2014, ganhou o direito à prisão domiciliar em novembro de 2015. Cerveró está preso desde janeiro do ano passado.
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