Por Raymundo Costa e Ribamar Oliveira – Valor Econômico
BRASÍLIA - Pressionada por uma receita da União que não reage e por gastos que não param de crescer, a presidente Dilma Rousseff elegeu a reforma fiscal de médio e longo prazo - e não mais o ajuste fiscal de curto prazo - como o centro de seu pronunciamento sobre o Estado da Nação, ontem na abertura dos trabalhos do Congresso. O discurso não agradou nem aos governistas e nem à oposição. Entre aplausos e vaias, estas com maior intensidade, Dilma teve a medida exata das dificuldades que enfrentará para aprovar as propostas de reformas e aumentos de impostos em parceria com o Congresso.
A ida ao Congresso - inédita - foi uma tentativa de Dilma recuperar o protagonismo político, mas além de todos as dificuldades conjunturais como a fragmentação partidária e a queda de sua popularidade, a presidente começa a enfrentar problemas também por causa da singular antecipação da sucessão presidencial. Ela propôs uma parceria ao Congresso. Mas a receita que a tinha para servir aos parlamentares, no entanto, era amarga. "A situação fiscal é crítica", disse um ministro da área econômica ao Valor, contextualizando uma situação que não permite ao governo alçar voos mais altos.
De acordo com essa autoridade, a queda da arrecadação federal de mais de 17% em novembro, em termos reais, acendeu o sinal de perigo dentro do governo. Desde então, lembrou o ministro, a receita não se recuperou. "A receita não reage, mas a despesa não cai, pois em parte ela está indexada". Com a continuação do quadro recessivo no Brasil, é muito difícil projetar uma melhora da situação, o que ameaça a meta fiscal deste ano, de superávit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). "O país está vivendo em um quadro de excepcionalidade e a presidente chamou a atenção da sociedade brasileira para isso".
As vaias a Dilma foram mais fortes em dois momentos: quando a presidente pediu a volta da CPMF e quando tentou explicar o aumento da carga tributária. Os apupos partiram notadamente da bancada da oposição. Mas quando falou de reforma da Previdência, o murmúrio de descontentamento ganhou corpo na bancada do governo, onde estavam os parlamentares do PT e aqueles mais ligados aos movimentos sindicais.
Ainda no plenário da Câmara, após a saída da presidente, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) não escondia que não gostara do que ouvira. "A presidente adotou uma agenda à direita, dando ênfase à reforma da Previdência e à continuidade do ajuste fiscal", afirmou. "Ela vai atirar na base social dela", previu. "O espírito do Joaquim Levy [ex-ministro da Fazenda] pairou aqui", brincou.
A poucos passos de Lindbergh, o senador José Serra, ex-governador de São Paulo e duas vezes candidato a presidente da República não enxergava propostas concretas no discurso da presidente: Dilma falou em reforma da Previdência, mas não disse qual reforma será proposta; falou em limite para as despesas públicas, mas não disse como isso será feito. "São as mesmas respostas requentadas de outros anos, dá a impressão que a presidente assumiu hoje o governo", disse, por seu turno, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG).
No salão verde, depois de se despedir da presidente, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), uma autoridade pemedebista sobre o assunto, defendia que antes devem ser votadas as reformas estruturantes, antes de se pensar em aprovar projetos que aumentem a arrecadação do governo, como é o caso da recriação da CPMF. Segundo Jucá a lógica precisa ser invertida, do contrário, reformas como a da Previdência Social não serão votadas depois que o governo tiver assegurado o aumento do caixa do tesouro, como ocorreu de outras vezes.
Integrante da ala esquerda do PT e por isso visto como um adversário em potencial da reforma previdenciária, o ministro do Trabalho e da Previdência Social, Miguel Rossetto, disse, no entanto, que as discussões no fórum que analisa a reforma da Previdência serão aceleradas e que terá um projeto pronto ainda até o fim do semestre. O fórum que reúne trabalhadores e patrões deverá fazer uma reunião no próximo dia 17. "Vamos construir uma proposta que tenha o máximo de consensos", informou o ministro.
Outro ministro preferiu chamar a atenção para o fato de que a presidente Dilma teve a coragem de "propor medidas impopulares", como a recriação da CPMF e a reforma da Previdência Social. "Nenhum outro governo fez isso", observou. "Cobravam dela uma agenda e ela a apresentou", disse. O problema, segundo líderes partidários, é que Dilma demorou muito e a proposta de parceria chega ao Congresso num momento em que a sucessão presidencial já está na rua. Desde a redemocratização, nunca a sucessão de um presidente esteve tão antecipada, o que deve influenciar, a partir de agora, o julgamento dos congressistas na votação de cada matéria, a partir de agora.
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