Por Raphael Di Cunto, Bruno Peres e Leandra Peres - Valor Econômico
BRASÍLIA - A abertura do balcão de negociação de cargos e verbas federais para conter as deserções de aliados na votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, anunciada como uma "repactuação" da coalizão governista, surtiu seus primeiros efeitos.
Ontem, PP e PR - respectivamente terceira, ao lado do PSDB, e quinta maiores bancadas na Câmara - que ameaçavam abandonar a base, passaram a atuar em conjunto e adiaram a decisão, que será provavelmente entre votação da Comissão Especial que analisa o pedido de afastamento e o exame da questão em plenário. "Não é justo que um partido que tem uma aliança de 14 anos com um governo tome posição antes mesmo de ouvir a defesa", afirmou o líder do PR na Câmara, Mauricio Quintella Lessa (AL).
Capitaneado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, articuladores do Planalto continuam trabalhando para que a ala governista do PMDB não desembarque agora. Como resultado, os seis ministros do PMDB continuam se articulando para permanecerem nos cargos, mesmo depois do rompimento oficial do partido com o governo.
Lideranças no Congresso reconheceram que as negociações podem servir para garantir a sobrevivência ao processo de afastamento da presidente, mas avaliam que o resultado será um governo de minoria parlamentar. O governo teria cerca de 180 votos com apoio completo de PT, PCdoB, PDT e PSOL, além de parte do PSD, PP, PR e PTN.
A conta não inclui os aliados no PMDB, mais escassos após o rompimento. "A meta número zero é impedir o impeachment. Mas, com o ministério já montado, será difícil angariar votos", avalia um governista.
A oferta do governo para que os aliados ocupem o espaço aberto com a saída do PMDB também está se mostrando mais difícil de se concretizar do que se imaginava. Num movimento combinado, os seis ministros do PMDB que ainda não pediram demissão pretendem se licenciar do partido para manter os cargos. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, afirmou na rede social Twitter:
"Continuaremos no PMDB e no governo. Ao lado do Brasil nós enfrentaremos a crise", disse a ministra, que também colocou seu cargo à disposição de Dilma. "O importante é que na tempestade estaremos juntos", concluiu.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que foi procurado pelos ministros, mas negou que articule a posição que eles tomarão. "Conversei durante o dia com os ministros, mas eu tenho que ficar muito longe dessa decisão se vão ficar ou não. Da mesma forma que fui crítico quando o partido entrou na coordenação política pelos critérios que utilizou, sou crítico também dessa discussão que se sai, se licencia, se deixa o cargo", desconversou.
No Planalto, as negociações com o PMDB não pararam. Lula teve um café a manhã com o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), um dos pemedebistas que defendem a permanência do partido no governo e que mais tem criticado a opção pelo rompimento.
A conversa virou o jogo sobre a permanência do ministro Helder Barbalho na Secretaria de Portos, já cobiçada pelo PR. Na segunda-feira, a tendência era que o ministro deixasse o governo, respeitando a posição do partido. No início da noite de ontem, Helder sinalizou a correligionários que permanecerá no governo.
Aliados do presidente do Senado relatam que Renan Calheiros acha que foi um erro estratégico de Michel Temer, vice-presidente da República, levar o PMDB a apressar seu rompimento com o governo. O presidente do Senado ainda tem dúvidas de que o processo instalado contra Dilma na Câmara seja suficientemente robusto para destitui-la de maneira inquestionável - o senador considera a tese das pedaladas "frágil". Ao mesmo tempo, Renan está convencido que não terá como rejeitar ou protelar o impeachment no Senado se ele passar na Câmara.
No fim do dia, em nota oficial, a presidente Dilma informou que o ministro do Esporte, George Hilton, que havia deixado o PRB porque o partido foi para a oposição e se filiado ao Pros para permanecer no cargo, estava deixando o governo "a pedido". O PSD, presidido pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab, pode ficar com a pasta dos Esportes, que terá seus dias de protagonismo por conta da Olimpíada do Rio.
O PSD liberou sua bancada de 32 deputados na votação do impeachment, uma sinalização de que a maior parte dos deputados estava inclinada a aprovar o afastamento da presidente. De acordo com um interlocutor de Kassab, há uma preocupação do dirigente, entretanto, em não se contrapor ao vice-presidente Michel Temer.
Já o PP, que hoje está à frente da Integração Nacional, herdaria o Ministério do Turismo, abandonado anteontem pelo ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves e aliado do vice-presidente.
A reação da ala do PMDB que defende a saída do governo foi quase protocolar. A decisão dos ministros não foi oficialmente comunicada ao partido e, uma vez sendo, as regras partidárias permitem que uma representação leve o assunto para o Conselho de Ética do partido. Como esse é um processo longo, a consequência prática para a votação do impeachment será nula.
O que os defensores do afastamento da presidente Dilma argumentam é que o preço que o governo paga em cargos e verbas é muito elevado para o número de votos que consegue garantir no PMDB, uma equação que não seria sustentável. Para evitar a mesma armadilha, a cúpula do PMDB, que foi procurada por PP e PR, garante que não entrará em um leilão de cargos na Esplanada dos Ministérios para não elevar demais o preço a ser pago às legendas do "centrão" pelo apoio ao impeachment. Na avaliação dos pemedebistas, se houver promessas de muitos ministérios em um eventual governo Temer, a fatura sairá alta demais. (Colaboraram Murillo Camarotto, Vandson Lima, Cristiano Zaia e Daniel Rittner, de Brasília; e Carmen Munari, de São Paulo)
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