• Ex-presidente chegou a afirmar, em solenidade no Palácio no Planalto, ainda em 2003, que 'notícia de verdade é aquilo que a gente não quer falar'
Luiz Maklouf Carvalho* - O Estado de S. Paulo
Em seu nono mês na Presidência da República – setembro de 2003, já se vão quase 13 anos – o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma declaração incomum: “Notícia de verdade é aquilo que a gente não quer falar. Aquilo que a gente está doidinho para falar não é notícia, é publicidade”, disse ele no dia 10 daquele mês, durante a inauguração do site de Secretaria de Imprensa do Palácio do Planalto. A par da sinceridade, ou do sincericídio, Lula nunca deu maior contribuição para incômodas notícias que o envolviam diretamente.
O primeiro caso que o pôs à prova foi a revelação de que tinha uma filha fora do casamento com Marisa Letícia – Lurian Lula da Silva. Desde o primeiro momento em que soube que a informação seria publicada pelo Jornal do Brasil – 25 de abril de 1989 –, Lula reagiu com manifesta indignação. Não contra a informação, de resto indesmentível, mas contra os que a vazaram. Nem sabia quem era – nunca soube –, mas nem por isso deixou de insultar e praguejar os “traidores”, como os chamou. Lula disse, então, que a imprensa não deveria de preocupar com a vida pessoal dos candidatos. “Minha família não é candidata a nada e faço tudo para preservá-la”, afirmou.
Foi o começo de uma postura de muita reserva – e às vezes de tergiversação – quando questões desagradáveis questionavam o comportamento ético seu e/ou do PT. Ela se repetiu, com variações, na primeira denúncia de corrupção contra um deputado federal do partido, Ricardo Moraes, do Amazonas, noticiada pelo Estado em 10 de maio de 1993. Um mês antes, o diretório municipal de Manaus expulsara Moraes pela prática confessa de corrupção, escuta clandestina de telefones e invasão do Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus com um pé de cabra. Moraes recorreu da decisão ao Diretório Nacional – e foi expulso do partido em agosto de 93. Lula disse, primeiro, que não tinha conhecimento do caso, quando ficou provado que tinha. Meses mais tarde, o expulso Moraes, já no PSB, estava com Lula na Caravana da Cidadania que visitava Manaus.
O Estado também noticiou, no mesmo maio de 93, que Moraes e quatro outros deputados federais do partido – José Genoíno, Paulo Rocha, Valdir Ganzer e Lourival Freitas – haviam pedido um empréstimo ao Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus, e continuavam inadimplentes, passados alguns meses. Lula também disse, inicialmente, que não sabia do empréstimo, e que os deputados deveriam, se o fato fosse verdade, como era, “ser responsabilizados criminalmente e politicamente pelo ato”. Na ocasião, o presidente do diretório municipal do PT de Manaus, Jonas Araújo, afirmou que Lula sabia do empréstimo, informado que fora por ele próprio.
No caso CPEM – o primeiro grande escândalo envolvendo o partido – a postura de Lula foi mais de irritação com as notícias do que com o esclarecimento cabal e transparente dos fatos. Isso, ressalte-se, quando o economista Paulo de Tarso Venceslau, denunciante do escândalo, passou meses e meses tentando falar com o próprio Lula e com outros dirigentes do partido antes de contar o que contou. Lula fechou-se em copas. Também não quis falar para o Jornal da Tarde, que publicou a denúncia de Venceslau.
Imóveis. Tem sido assim, também, ontem como hoje, quando há denúncias de irregularidades sobre imóveis em que morou, e ainda mora, ou frequenta. Em vez de luz, detergente e palha de aço – como se entende da retórica do PT – obscuridades, retraimento, ensimesmados silêncios, teorias conspiratórias, pau na mídia (algumas vezes com razão), complacência com os pares, exercícios de autopiedade e a arrogância de se achar imune à comezinha obrigação de dar explicações ao que não está efetivamente esclarecido.
Quem já ouviu, por exemplo, o ex-presidente Lula responder ao questionamento “por que o sr. não disse ‘não quero, alto lá’ quando as empreiteiras que recebem dos cofres do Estado ofereceram dinheiro para o Instituto Lula – ou até para as tais palestras?, ou, ainda, para obras em sítio e apartamento?”. Por que não disse aos amigos que supostamente o obsequiaram com favores dessas mesmas empreiteiras que simplesmente declinava ou não aceitava benesses do gênero? Deveria responder – e são dezenas de questões –, até para eventualmente dizer que não é verdade, ou que não é bem assim, que tem todo o direito, ou, ainda, como também do jogo, que foi um erro, desculpa aí, autocrítica feita, prejuízos ressarcidos, vida que segue e vamo que vamo companheirada.
É também para não responder a essas perguntas que Lula, tão bom de conversa, já não pode dar entrevistas com pauta aberta e livre também para “aquilo que a gente não quer falar”. Se tivesse escolhido o caminho inverso – contribuir com a verdade da notícia, doa a quem doer, até mesmo em si próprio, e sem demérito das qualidades e dos méritos que efetivamente tem – o filme talvez fosse outro.
Sendo o que se vê, já conseguiu que até históricos simpatizantes, como o teólogo Leonardo Boff, levassem a divergência para o papel. No artigo “Os equívocos do Partido dos Trabalhadores e o sonho de Lula”, publicado em seu blog, em 6 de fevereiro, Boff escreveu: “O ‘petrolão’, pelos números altíssimos da corrupção, inegável, condenável e vergonhosa, desmoralizou parte do PT e parte das lideranças, atingindo o coração do partido. O PT deve ao povo brasileiro uma autocrítica nunca feita integralmente”.
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*Luiz Maklouf Carvalho é jornalista.
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