• Frase foi para justificar condução coercitiva do ex-presidente até a PF
Renato Onofre e Cleide Carvalho - O Globo
“Esse é um momento de sermos republicanos. Não há ninguém isento de investigação nesse país”. Foi assim que o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima justificou a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, no início da coletiva sobre a 24 ª fase da Operação Lava-Jato, batizada de Aletheia. Lula, que até então era investigado por ocultação de patrimônio nas denúncias sobre o sítio em Atibaia e o tríplex no Guarujá, agora é suspeito de lavagem de dinheiro e corrupção.
Além do ex-presidente, 11 pessoas ligadas à investigação contra o petista foram obrigadas a prestar depoimento ontem, à Polícia Federal. Agentes fizeram ainda busca e apreensão em 33 endereços de São Paulo, Rio e Bahia.
— Investigamos apenas pessoas sem foro privilegiado — afirmou Lima, completando: — Nós procuramos fazer isso da forma mais silenciosa possível. Entretanto, nós sabemos dos vazamentos.
No início da manhã de ontem, por volta das 5h, os agentes da Polícia Federal já estavam na porta do prédio de Lula, na cidade de São Bernardo do Campo, onde ele mora e construiu sua carreira sindical e política. Os investigadores chegaram em carros descaracterizados para evitar aglomerações. Os veículos foram estacionados na garagem do edifício.
Carro descaracterizado
Assim que vazaram as primeiras informações sobre Lula como alvo da operação, um grande número de manifestantes pró e contra o ex-presidente se dirigiu ao edifício. Para evitar confusão, ele foi retirado pela PF em um carro descaracterizado e levado ao aeroporto de Congonhas. Na unidade da Polícia Federal, ficou em uma área reservada a autoridades. O líder petista é apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como um dos principais beneficiários do esquema de corrupção da Petrobras.
Segundo documento assinado por todos os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, “de fato surgiram evidências de que os crimes o enriqueceram e financiaram campanhas eleitorais e o caixa de sua agremiação política (PT). Mais recentemente, ainda, surgiram, na investigação, referências ao nome do ex-presidente Lula como pessoa cuja atuação foi relevante para o sucesso da atividade criminosa”.
Entre 2011 e 2014, segundo as investigações, 60% das doações (R$ 20 milhões) realizadas em favor do Instituto Lula foram realizadas pelas cinco maiores empreiteiras envolvidas na Lava-Jato, entre elas a OAS e a Odebrecht. As duas empresas estão envolvidas em 47% (R$ 10 milhões) dos pagamentos dos contratos de palestras realizadas pela empresa LILS, entre 2011 e 2014.
Lula depôs por três horas e meia aos agentes da PF e procuradores federais, que vieram de Curitiba para interrogá-lo. Apesar de ter o direito de ficar em silêncio, já que pela primeira vez ele é ouvido como investigado, o ex-presidente respondeu às perguntas e se irritou.
De acordo com o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), o ex-presidente se mostrou incomodado pelo menos três vezes. O momento de maior irritação ocorreu ao ser questionado sobre os pedalinhos mantidos pela família no sítio de Atibaia, que têm os nomes de dois dos seus netos. Os equipamentos foram comprados pelo militar Rogério Pimentel, assessor especial da Presidência da República, que estava entre as 11 pessoas ouvidas pela PF.
Amizade questionada
Os agentes perguntaram ao ex-presidente se ele era o dono do sítio e do tríplex em Guarujá, no litoral paulista. Lula disse que a “resposta estava nos documentos”. O petista também foi questionado sobre sua proximidade com o ex-presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro. O empreiteiro, condenado a 16 anos de prisão por sua participação no esquema de corrupção da Petrobras, teve mensagens interceptadas pela PF, nas quais combina a entrega das reformas das duas propriedades à “madame”. O codinome é usado pelo empreiteiro ao referir-se à mulher do ex-presidente, Marisa Letícia.
Parentes de Lula também foram alvo da ação da PF. O juiz Sérgio Moro autorizou busca e apreensão nas residências de Fábio Luís e Luiz Cláudio, filhos do ex-presidente. A casa do petista em São Bernardo também foi revistada, assim como um outro apartamento do casal, no mesmo prédio.
Além do depoimento de Lula, os investigadores levaram coercitivamente para a sede da PF, em São Paulo, seu braço-direito Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. Antes da deflagração da operação, o MPF chegou a pedir a prisão de Okamotto, mas Moro negou. Também estiveram no prédio da PF José de Filippi, tesoureiro das campanhas de Lula, em 2006, e de Dilma, em 2010, acusado de receber ao menos R$ 3,6 milhões ilegalmente.
Além dos dois, foram ouvidos João Henrique Worn, taxista que teria levado dinheiro da construtora UTC para Filippi, e Antônio Pazine e Paulo Marcelino Coelho, que teriam auxiliado no transporte do acervo de Lula para Atibaia.
Cerca de 200 policiais federais e 300 auditores cumpriram os 33 mandatos. Foram cinco de busca e apreensão em São Bernardo do Campo; dois em Atibaia, onde Lula frequenta um sítio; um no Guarujá, onde seria beneficiário de um apartamento. Houve mandados nas cidades paulistas de Diadema, Santo André e Manduri, e em prédios ligados à OAS e à Odebrecht. (Colaboraram Tiago Dantas e Sérgio Roxo).
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