Eduardo Scolese – Folha de S. Paulo
A situação era atípica. Lula estava diante de um microfone e ao vivo para todo o país, duas horas após ter sido obrigado pela Polícia Federal a prestardepoimento como investigado em uma operação sobre corrupção.
Mas Lula foi o Lula de sempre. Na sede do PT, agiu como se estivesse em um comício de campanha ou em um discurso dos tempos de Planalto.
Sob pressão, não tocou diretamente em nenhuma das suspeitas que pesam contra ele. Se apegou a pontos laterais, como o pedalinho do sítio, fez piadas, atacou as elites e a imprensa, ficou com a voz embargada e lembrou da origem pobre no agreste pernambucano. Foi o velho Lula.
A fala de cerca de 30 minutos na tarde desta sexta-feira (4) no centro de São Paulo lembrou um discurso inflamado de 50 minutos feito por ele em Luziânia, no interior goiano, no dia 21 de junho de 2005. Uma fala lembra a outra pelas circunstâncias, pelo entorno e pela estratégia.
PF faz operação na casa do ex-presidente Lula, na Grande SP
A atual ocorre com Lula no centro do furacão da Lava Jato. A de 11 anos atrás aconteceu só duas semanas após Roberto Jefferson ter denunciado à Folha oesquema do mensalão –foi a primeira defesa enfática que fez naquela ocasião.
Em ambas as falas, a plateia era formada por simpatizantes, que riam das piadinhas e interrompiam a fala com aplausos. Na atual, estava cercado de militantes petistas. Na de 2005, 800 trabalhadores rurais superlotaram um auditório para ouvi-lo.
Mas o que chama mesmo a atenção é a semelhança dos argumentos de 2005 e 2016 e a habilidade oral para passar uma imagem de pobre vítima e de perseguido político.
Para o Lula de Luziânia, sob a pressão do mensalão, e o Lula desta sexta, sob a pressão do petrolão, parece que nada aconteceu no Brasil antes de sua passagem pelo Palácio do Planalto. Lula se acha beneficiado por milagres e se autodeclara o maior presidente do país.
O Lula ético de 2005 é o mesmo de 2016. Em Luziânia, desabafou: "Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu para fazer o que precisa ser feito neste país". Na sede nacional do PT, nesta sexta, emendou: "Se a Polícia Federal ou o Ministério Público encontrarem um real de desvio na minha conduta, eu não mereço ser desse partido".
Sobre denúncias, o Lula de 2005 chamou de "bobagens" e "vazias" as do mensalão. O de 2016 ironiza os questionamentos sobre o apartamento de Guarujá, o sítio de Atibaia e suas palestras pelo mundo.
As ironias também se encaixam. Em 2005, adotou o sarcasmo diante de um dirigente dos Correios flagrado ao receber propina. "E vejam que tudo isso que nós estamos vivendo [crise política] é por conta de um cidadão que diz que pegou R$ 3.000."
Agora, a ironia é com o barco comprado por sua mulher, Marisa Letícia, e que indica a ligação da família com o sítio de Atibaia reformado por empreiteiras investigadas na Lava Jato. "Se eu pudesse, eu dava era um iate para ela, não um barco de R$ 4.000."
Lula pode estar em baixa, mas as campanhas eleitorais não saem de sua cabeça. Parece viciado num palanque, num tête-à-tête com os eleitores e nas brigas políticas. Em 2005, dizia que seus adversários estavam "com medo" da sua reeleição. Agora, a ameaça é com 2018: "Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, e a jararaca está viva como sempre esteve".
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