• MP diz ter indícios de que petista se beneficiou de desvios da Petrobras
Justiça quebra sigilo e faz busca em imóveis ligados a Lula. Ele chamou a operação de ‘espetáculo midiático’ e disse estar disposto a percorrer o país em sua defesa: ‘Eu merecia um pouco mais de respeito’
Prestes a completar dois anos, a Lava-Jato chegou à porta do ex-presidente Lula. Por força de um mandado de condução coercitiva, ele foi obrigado a depor, durante três horas, numa sala do Aeroporto de Congonhas (SP). Os procuradores investigam se o ex-presidente foi beneficiado com desvios da Petrobras, em pagamentos de palestras e doações a seu instituto, que somam R$ 30 milhões, feitos entre 2011 e 2014 por empresas investigadas. A operação cumpriu 33 mandados de busca e apreensão, inclusive em imóveis ligados a Lula. Segundo a PF, o Instituto Lula, que tem isenção fiscal, teria repassado R$ 1 milhão à G4, empresa de um dos filhos do ex-presidente. O procurador Carlos Fernando afirmou que “não há ninguém isento de investigação neste país”. Lula reagiu afirmando que se sentiu prisioneiro e convocou militantes às ruas.
Lava-Jato encontra Lula
• Investigado sob suspeita de obter vantagens pessoais de empreiteiras, ex-presidente é forçado a depor por Sérgio Moro, sofre buscas da PF e convoca movimentos sociais para defendê-lo; novo capítulo escancara dúvidas sobre passado e presente do petista
Alan Gripp - O Globo
Operação reforça o lado obscuro do líder popular
Aconteceu. Muita gente ainda duvidava, mas a Lava-Jato bateu à porta de Lula. O ex-presidente não foi preso, mas conduzido por ordem judicial para prestar depoimento, no ponto mais extremo dos quase dois anos de Lava-Jato, a maior operação de combate à corrupção já realizada no país.
No capítulo de ontem, os procuradores de Curitiba revelaram um pouco mais do lado obscuro do líder popular. Descobriuse, por exemplo, que o instituto que leva seu nome repassou mais de R$ 1 milhão a empresas dos filhos do petista. A Lava-Jato suspeita que a entidade, que tem isenção de impostos, tenha sido usada para receber vantagens de empreiteiras investigadas por desviar dinheiro da Petrobras.
Vantagens que os procuradores já não têm mais dúvidas quando se trata do sítio de Atibaia e do tríplex do Guarujá, ambos equipados para a família do ex-presidente por gigantes da construção, notadamente OAS e Odebrecht.
Ontem, a Lava-Jato revelou que a OAS também gastou R$ 1,3 milhão para armazenar por cinco anos itens da mudança de Lula, após sua saída da Presidência, em 2011. Entre eles, até um “trono africano”, como ressaltou o próprio Lula ao ironizar a revelação vinda de Curitiba. Agora, a investigação se concentrará em estabelecer uma relação entre pagamentos como esse e o feirão de contratos de empreiteiras com a Petrobras. Lula sabia? É a volta da surrada pergunta do mensalão.
Na já tradicional entrevista coletiva dada depois de cada fase da Lava-Jato, os procuradores fizeram questão de dizer que “qualquer um no Brasil está sujeito a ser investigado”. Ao mesmo tempo, foram cuidadosos ao falar do ex-presidente, que naquela altura já era defendido por militantes nas ruas de São Paulo. Não há qualquer motivo para pedir a prisão de Lula, disse o procurador Carlos Fernando Lima.
A Lava-Jato também faz seus cálculos políticos. Dará os próximos passos com cautela, diante do risco de radicalização do ambiente político. Mas, depois de tudo o que se viu, alguém é capaz de arriscar o que pode acontecer?
O animal político apela às ruas e passará por teste
Tão logo deixou a sala da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, onde depôs aos investigadores da Lava-Jato, Lula seguiu para a sede do PT, no Centro de São Paulo. Era esperado por cerca de 200 militantes do partido e da CUT. A fisionomia abatida deu lugar ao comportamento inflamado, num discurso em que fez uma defesa seletiva das investigações contra si e apelou para que movimentos sociais o defendam. A Lava-Jato despertou o animal político.
— O que eles (a Lava-Jato) fizeram com esse ato de hoje, é que, a partir da próxima semana, CUT, PT, sem-terra, PC do B, me convidem, que eu vou andar esse país — conclamou, pedindo para ser chamado. Entre tapas na mesa, o ex-presidente atacou duramente a Lava-Jato. Concentrou-se, principalmente, em afirmar que a condução coercitiva (quando o investigado é levado à força para depor) era desnecessária. E repetiu o discurso abraçado pelo partido de que é atacado por ter promovido justiça social. Orador hábil, abusou da ironia, arrancando gargalhadas da audiência, mesmo com o ambiente tenso.
— ‘ Sr. Luiz Inácio, o senhor poderia prestar depoimento em Curitiba?’. Eu gosto de Curitiba, eu poderia ir lá e me facilitava o PT pagar uma passagem — disse.
O discurso também foi marcado por algumas omissões. Lula não deu explicações sobre os pagamentos feitos por empreiteiras de benfeitorias no sítio de Atibaia e no tríplex do Guarujá. Também disse que não havia motivo para que os agentes fizessem buscas nas casas de seus filhos, embora eles sejam investigados.
Mais tarde, no sindicato dos bancários, chorou ao relatar a história de um catador de papel que entrou pela primeira vez no Palácio do Planalto. E radicalizou:
— Fico ofendido quando hoje sou sequestrado na minha casa.
A convocação de Lula é um teste para a capacidade de mobilização do petista, que já arrastou multidões à frente do movimento sindical e no auge de sua carreira política mas agora amarga baixas taxas de popularidade. Ontem, ao menos dez capitais atenderam ao primeiro chamado, mas os atos foram tímidos. Também há preocupação com a possibilidade de radicalização entre manifestantes pró e contra Lula. Dois confrontos aconteceram ontem, na porta da casa de Lula e em Congonhas. Jornalistas foram hostilizados e agredidos, criando um clima pesado para o próximo inevitável encontro: os protestos contra o PT e o governo, no dia 13.
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