• Que o retrocesso que golpeou nossas florestas, aprovado em 2012 pelo Congresso, seja anulado pelo STF
- Valor Econômico
A gangorra sinistra da crise segue em ritmo frenético: indicadores sociais, como o desemprego, vão às alturas e os indicadores econômicos, a começar pelo PIB, descem abaixo do piso. A origem e o agravamento da crise estão num sistema político anacrônico e agonizante, que fabrica verdadeiros arranha-céus para acomodar interesses ilegítimos, mas é incapaz sequer de firmar uma tenda para mediar conflitos e criar consensos nas questões mais relevantes da vida do país.
Felizmente, temos contado com uma opinião pública vigilante e um Poder Judiciário cada vez mais atento ao que lhe delegou nossa jovem Constituição. Ele tem sido o locus de transferência de boa parte do contencioso não solucionado no âmbito político e tem sido chamado a extirpar a corrupção institucionalizada, orientar procedimentos e ações no Legislativo, corrigir injustiças. Questões cruciais para o presente e futuro do Brasil estão sendo tratadas por essa Corte. Em sua isenção e espírito público estão confiadas parte das esperanças do futuro da nação.
Uma das questões que está sob a apreciação dos magistrados se refere ao artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o direito do cidadão brasileiro a um meio ambiente saudável. São quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade apresentadas pela Procuradoria Geral da República e pelo Psol referentes à Lei 12.651, que revogou o antigo Código Florestal e foi sancionada em 2012. Dos 84 artigos que tem a lei, 58 estão sob questionamento. Destaca-se o pedido de anular os dispositivos que concederam anistia àqueles proprietários rurais que desmataram áreas florestais protegidas por lei em Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal. Estima-se que essa anistia reduziu em quase 60% o montante de áreas que deveriam ser recuperadas, algo como 21 milhões de hectares.
A anulação desses dispositivos é fundamental, pois é inegável que estimulam o desmatamento e dificultam a recuperação de áreas localizadas às margens de nascentes e rios. Especialistas afirmam que o agravamento da crise hídrica e energética está diretamente ligado à destruição das florestas dessas áreas. A nova lei atacou frontalmente, portanto, o propósito essencial do Código Florestal original, que era o de assegurar a proteção dos mananciais hídricos e da biodiversidade, nas áreas agrícolas e nas cidades.
O Novo Código Florestal foi recebido com tristeza pela comunidade científica, ambientalistas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, afrontando também a expectativa da maioria dos brasileiros que, em pesquisas de opinião, declaravam-se contrários a esses retrocessos.
O mais impressionante é que isso aconteceu no momento em que os desastres naturais se multiplicavam no país, em decorrência do aquecimento global e da degradação dos ecossistemas. O Brasil tinha contabilizado mais de mil mortes em eventos climáticos extremos e prejuízos de cerca de US$ 4,7 bilhões em 2011, segundo estudo sobre Risco Climático Global da organização alemã Germanwatch, que mostrou o Brasil na 6ª posição entre as nações que mais sofreram com eventos climáticos extremos.
Como uma potência global em recursos naturais, detentor de uma das maiores extensões de florestas mundiais, abrigando cerca de 22% das espécies vivas e 11% da água doce disponível no planeta, o Brasil deu um péssimo exemplo ao mundo. Sinalizou com o incentivo a práticas produtivas do século passado num momento em que várias nações enfrentam problemas com o esgotamento de seus recursos naturais e buscam reorientar seus modelos de desenvolvimento.
O julgamento dessas ações marcará o capítulo final de uma batalha épica que já dura mais de 16 anos, onde se confrontam duas visões de desenvolvimento: de um lado, o modelo convencional, baseado no uso extensivo e predatório dos recursos naturais; de outro, o desenvolvimento sustentável, onde produção e proteção caminham juntas. Foi durante a primeira gestão da presidente Dilma Rousseff que o governo e sua bancada de apoio no Congresso deram todo suporte à tese do desenvolvimento dissociado dos devidos cuidados ambientais, num debate marcado por rotulações e preconceitos. Declarações do relator Aldo Rebelo à época classificavam os que defendiam a sustentabilidade como inimigos nacionais e defensores dos interesses das grandes potências.
Sob argumentos cientificamente frágeis e socialmente inaceitáveis, os vitoriosos conseguiram emplacar, por exemplo, a tese de que ter 30 metros de vegetação natural protegendo rios era uma ameaça à produção agrícola, pois elevaria seus custos e, assim, aprovaram sua redução para cinco metros. Outra tese vencedora foi a de que reforçar a cultura da impunidade - anistiando os infratores - seria o melhor meio para assegurar segurança jurídica no país. A ciência e o bom senso foram derrotados pela má política.
Agora, num cenário político ainda mais turbulento, os brasileiros que acreditam num desenvolvimento sustentável voltam suas expectativas para o STF. Foi pedagógica e estimulante a iniciativa do ministro Luiz Fux de reunir os principais envolvidos numa audiência pública, ocorrida no último dia 18, onde houve equidade de tempo entre todos, indicando como estabelecer um rito democrático para discutir um tema de tamanha importância e complexidade para o futuro do país.
Merece nosso aplauso as incansáveis organizações ambientais, como o ISA e a Rede Mata Atlântica, que continuam a apostar no processo virtuoso, ora apelando aos tribunais contra os retrocessos, ora trabalhando junto aos governos e ao segmento rural para ajudá-los a cumprir os poucos avanços estabelecidos na nova lei, como o Cadastro Ambiental Rural.
As florestas esperam decisão favorável para voltar a ter proteção da Lei. A qualidade de vida e o vigor da economia dependem disso. Esperamos que o retrocesso que golpeou nossas florestas, aprovado em 2012 pelo Congresso, seja anulado pelo STF e que a Constituição recupere seu sentido e propósito.
A resposta para a situação sufocante que vivemos está na Constituição, nosso manual para lidar com a crise. Ela estimula o engajamento cidadão e é fundamental para desmontar a corrupção institucionalizada e abater a cultura da impunidade, criando condições de uma nova base para nossas ações, onde o futuro seja sempre um bom pretexto para fazer a coisa certa no presente.
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Marina Silva, ex-senadora e fundadora da Rede Sustentabilidade, foi ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidência da República em 2010 e em 2014.
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