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• Novo governo terá que decidir logo sobre a CPMF
- Valor Econômico
Ainda não foi demonstrada a tese de que é possível ajustar as contas da União apenas com corte de gastos, como querem alguns, sem criação de novos impostos ou elevação das alíquotas dos existentes. Os defensores da proposta às vezes esquecem que não basta reequilibrar as contas, pois é necessário produzir superávit primário expressivo e continuado que coloque a dívida pública em trajetória sustentável.
Passar de um déficit primário superior a R$ 100 bilhões neste ano para um superávit equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) - necessário para estabilizar a dívida - envolve um ajuste fiscal de proporção gigantesca, próximo a R$ 250 bilhões. Essa tarefa fica ainda mais difícil quando se tem um Orçamento que possui 64 itens de despesas que não podem ser contingenciadas, ou seja, cortadas, por determinação constitucional ou por dispositivos de leis específicas.
Nesta relação estão desde a despesa com a merenda escolar, passando pelos gastos com atenção à saúde da população para procedimentos em média e alta complexidade, até a despesa com subsídio ao gás natural utilizado para geração de energia termelétrica e o pagamento às empresas brasileiras de navegação.
Uma das medidas que Michel Temer adotará, caso o Senado confirme o afastamento da presidente Dilma Rousseff, é a redução do número de Ministérios e de cargos comissionados. O vice-presidente pensa em reduzir os atuais 32 Ministérios para 25, embora pessoalmente prefira um número ainda menor.
Mesmo que Temer acabe com todos os 23 mil cargos comissionados da administração federal, ou seja, com todos os DAS da Esplanada dos Ministérios, a economia a ser obtida ficaria em torno de R$ 2 bilhões, de acordo com estimativa do Ministério da Fazenda. Para um ajuste de R$ 250 bilhões, esse corte seria quase irrelevante.
O governo poderia acabar, como propõem alguns, com o abono salarial, uma invenção do regime militar, que hoje se sobrepõe a outros programas sociais, como o Bolsa Família, com menor eficiência distributiva, pois beneficia quem ganha até dois salários mínimos. A economia seria de cerca de R$ 18 bilhões. Ainda faltariam R$ 230 bilhões para fechar a conta do ajuste necessário.
A última vez que o governo fez um ajuste fiscal de dimensão semelhante foi em 1999, quando o superávit primário foi elevado de praticamente zero no ano anterior, para 3,24% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo dados do BC. Para realizar a façanha, a carga tributária foi aumentada de 29,7% em 1998 para 31,7% em 1999, segundo a Receita Federal. A elevação da carga continuou nos anos seguintes.
Os especialistas advertem que não há mais espaço para elevar da carga tributária na magnitude ocorrida no passado. Mas, hoje, não será possível fazer o ajuste fiscal que o país necessita sem a criação de novos tributos ou elevação dos já existentes. Temer cometerá um grave erro se vender a ilusão de que o atual descalabro das contas da União será resolvido sem que o contribuinte seja chamado a colaborar. Não seria crível. A sabedoria do governo estará em, ao propor a elevação de impostos, também definir um limite para o gasto e mudanças nas regras dos benefícios. Só assim, a elevação da carga tributária poderá ser aceita.
Temer contará, se vier a assumir a Presidência da República, com um cenário econômico melhor, pois a inflação está em queda e a Selic, a taxa de juros básica da economia, poderá ser reduzida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no segundo semestre, de acordo com estimativa de muitos consultores e analistas.
O fato é que o ajuste mais difícil na economia - representado pela correção de preços administrados (combustíveis, energia elétrica e transportes) e pela redução do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos - já foi realizado, com o elevado custo social que estamos presenciando, sob a forma do desemprego. A grande ironia é que a presidente Dilma pode não colher os frutos das dolorosas decisões que foi obrigada a tomar, contra até mesmo a sua ideologia, para corrigir os graves erros cometidos em seu primeiro mandato.
A cotação em queda do dólar retira pressão sobre a inflação, embora desperte preocupação entre os assessores de Temer, pois poderá prejudicar o setor exportador, que é o único que está funcionando bem. Especialistas consultados pelo Valor advertem que o desafio do novo governo será não cair na tentação de usar o câmbio para provocar uma forte queda da inflação e uma euforia no consumo.
A reação do mercado foi favorável aos nomes já anunciados por Temer para sua equipe, principalmente o de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda, como indicam a subida da bolsa de valores e a queda dos juros. Essa expectativa positiva poderá ser fortalecida pelo anúncio de medidas relativas ao ajuste fiscal e pelo provável envio ao Congresso de um projeto de lei dando autonomia operacional ao Banco Central, como admitem alguns dos assessores de Temer.
Nos principais gabinetes do Ministério da Fazenda acredita-se ser possível que o país cresça 1% no próximo ano. A expectativa do mercado para o crescimento é bem mais modesta, de apenas 0,3%, de acordo com o último boletim Focus do BC. Se a realidade se comportar mais próxima à previsão do governo, a expansão econômica, embora moderada, ajudará no ajuste, pois a receita tributária voltará a crescer.
O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2017 foi elaborado com a expectativa de que poderá ocorrer uma frustração da receita de até R$ 87 bilhões, caso a economia permaneça em recessão e a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) não seja aprovada. Se não contar com o imposto do cheque, o governo estima perder R$ 47 bilhões no próximo ano.
Uma das primeira decisões de Temer será dizer se a previsão de receita de R$ 10 bilhões com a CPMF, que está no Orçamento deste ano, será mantida. Se ele for contra a criação do tributo, terá que retirar essa receita da programação financeira de 2016 e encontrar uma alternativa para fechar as contas deste e dos próximos anos.
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