Por Murillo Camarotto, Daniel Rittner e Bruno Peres – Valor Econômico
BRASÍLIA - Recolhido nas últimas semanas, o vice-presidente da República, Michel Temer, quebrou involuntariamente o silêncio ontem, em uma mensagem de voz enviada a um grupo de parlamentares e assessores. No áudio, revelado pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, ele fala da necessidade de um governo "de salvação nacional" e menciona um período de "sacrifícios" para tirar o país da crise.
A assessoria do vice-presidente reconheceu a autenticidade da mensagem e informou que o objetivo era responder a pedidos de orientação por parte de aliados. Amigos de Temer que conheceram antes o texto afirmam que ele o gravou para dar uma argumentação ao PMDB. No áudio, entretanto, Temer se dirige "ao povo brasileiro" e faz planos para seu futuro governo, com uma agenda de reformas e a manutenção dos programas sociais implantados nos últimos anos pela administração petista.
Quando o áudio foi divulgado na íntegra e surgiu a versão de que ele se espalhou por causa de um erro do próprio vice-presidente, que o teria distribuído sem querer a um grupo do WhatsApp, Temer convocou jornalistas para uma rápida entrevista. Ele admitiu o envio, por engano, da mensagem pelo celular.
De acordo com Temer, sua fala se refere a uma manifestação que "certa e seguramente" precisaria ser feita, a depender do resultado, após votação no domingo do pedido de impeachment de Dilma. Na visão dele, não há novidades no discurso tornado público, por contemplar teses que disse sempre ter sustentado. Fez questão de dizer ainda que, se Dilma permanecer no cargo, continuará defendendo os mesmos argumentos, sem mudar "um centímetro" do que falou no passado.
Para o vice, a gravação divulgada não influenciará o resultado no plenário da Câmara. Ele se recusou a responder críticas relacionadas a uma espécie de antecipação de vitória, por considerar que "certas afirmações não merecem a honra de sua resposta". "Fiz uma gravação onde ressaltei pontos que tenho defendido ao longo do tempo: a pacificação absoluta do país, a unidade do país, o chamamento de todos os partidos para um governo de salvação nacional, a ideia de que devemos manter os programas sociais e até aprimorá-los ao longo do tempo", afirmou Temer.
A mensagem permite deduzir que o vice-presidente pretendia dar tais declarações após a votação da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo plenário da Câmara. "Fui procurado por muitos que estão aflitos com a situação do nosso país, ainda mais agora quando a Câmara decide, por uma votação significativa, declarar a autorização para a instauração de processo de impedimento da senhora presidente", afirma.
Na sequência, Temer diz não querer "avançar o sinal" e promete aguardar a posição do Senado - que poderá decretar o afastamento de Dilma por 180 dias caso acolha o processo vindo da Câmara. "Quero afirmar que temos um longo processo. Minhas palavras são provisórias, pois temos que aguardar a decisão soberana do Senado", ponderou o vice.
Temer, então, passa a apresentar pontos de um programa de governo. De acordo com ele, a superação da crise atual passa pela pacificação do país, o que só será possível com o comprometimento de todas as forças políticas. "É tristíssimo ver os brasileiros partindo para algo quase físico. É preciso um governo de salvação nacional e, portanto, de união nacional".
O áudio vazou inicialmente durante a comissão especial do impeachment. Ignorando as explicações que eram dadas pelo ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, o deputado Manoel Júnior (PMDB-PB) ouvia atentamente uma mensagem enviada por Temer ao seu celular. O Valor ouviu trechos da gravação e pediu a íntegra do áudio ao parlamentar, mas ele argumentou que já a havia apagado. Outros pemedebistas consultados negaram ter recebido a mensagem.
O vice se compromete ainda a estabelecer uma base parlamentar sólida para encaminhar as reformas necessárias à retomada do crescimento da economia. O restabelecimento da confiança no país pode levar entre três e quatro meses.
Após este período, segundo Temer, poderão aparecer os primeiros sintomas de mudança de postura por parte do empresariado. Para que isso seja possível, contudo, será preciso estabelecer uma agenda de reformas que "incentivem a harmonia entre empregadores". Temer menciona especialmente a reforma tributária, que segundo ele deve passar por uma mudança na fatia de Estados e municípios no bolo da arrecadação de impostos.
"É preciso retomar o crescimento e eu não quero que isso fique em palavras vazias. Tenho absoluta convicção de que a mudança pode gerar esperança e, gerando esperança, isso gerará investimentos nacionais e estrangeiros. Precisamos restabelecer a crença no Estado brasileiro", disse o vice-presidente. "O que aconteceu nos últimos tempos foi o descrédito no Brasil".
Temer chamou de "política rasteira" os boatos de que governos de outros partidos cortariam programas sociais. De acordo com o vice, iniciativas como o Bolsa Família e o Programa Nacional do Ensino Técnico (Pronatec) serão revalorizadas e ampliadas.
No começo da noite, o ministros da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, e o ministro da Chefia de Gabinete de Dilma, Jaques Wagner, criticaram as declarações do vice-presidente. De acordo com eles, ao assumir o impeachment de Dilma como um fato consumado, Temer admite que está disputando uma eleição indireta. "Ele está disputando votos", alfinetou Berzoini. "Nenhum golpe pode produzir união nacional", disse Wagner.
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