• O país vive a sua maior crise política desde a redemocratização, as paixões estão à flor da pele, mas ninguém vislumbra uma saída que seja à margem da Carta
• É importante que o desfecho do impeachment, seja qual for, venha com rapidez, porque o tempo corre contra um país paralisado já há quase um ano e meio
O país vive a maior crise política desde a redemocratização, as paixões estão à flor da pele, a radicalização é enorme, mas a boa notícia é que ninguém, em sã consciência, vislumbra o risco de uma saída à margem da Constituição. Mais uma prova da maturidade da nossa democracia, já com 28 anos ininterruptos sem curtos-circuitos institucionais. OBrasil vive hoje a sua maior crise política desde a redemocratização. Embora pesquisas mostrem que mais de 60% da população apoiam o impeachment, 33% defendem a presidente Dilma Rousseff.
E isso tem levado a uma intensa luta política, com expressões de intolerância de parte a parte, o que não se viu durante o processo de afastamento de outro presidente, Fernando Collor de Mello. As paixões estão à flor da pele, o radicalismo é enorme, mas a boa notícia é que ninguém, em sã consciência, apesar de slogans meramente retóricos, vislumbra o risco de uma saída à margem da Constituição. Não há prova maior de maturidade de nossa democracia, já com 28 anos ininterruptos sem rupturas institucionais, no estado democrático de direito.
O jornalismo profissional, demonstrando mais uma vez sua excelência, tem publicado livre e destemidamente tudo o que diz respeito ao que já pode ser rotulado como o maior esquema de corrupção que vitimou o Brasil.
Em muitos casos, está à frente das investigações, escancarando o que de errado foi feito neste país. Age, assim, sob a proteção da Constituição, que garante ampla liberdade de imprensa.
A Polícia Federal e o Ministério Público têm investigado tudo, também como assegura a Constituição, sob estreita supervisão do Supremo Tribunal Federal, a quem as partes recorrem toda vez que imaginam que seus direitos estão sendo lesados. A Justiça, em todas as suas instâncias, tem agido com espírito republicano.
O Tribunal de Contas da União, também cumprindo seu papel constitucional, tem examinado as contas da presidente e denunciado irregularidades gravíssimas que explicam, em grande medida, a terrível crise econômica por que passa o país. Os números frios atestam com clareza.
É um quadro de uma dramaticidade ímpar, cuja origem e desenvolvimento não podem deixar de ser atribuídos tanto à ação quanto à inação da presidente Dilma Rousseff. Diante dele, cidadãos, como assegura a Constituição, têm tido livre acesso ao Congresso para denunciar o que consideram crimes de responsabilidade da presidente e pedir a abertura de processos de impeachment.
A Câmara aceitou até aqui um deles, porque considerou que preenchia os requisitos formais. Quando tentou estabelecer um rito próprio ao impeachment, foi corrigida pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou que o rito deveria seguir a jurisprudência constitucional daquela Corte.
Agora, cabe à Câmara, e somente à Câmara, decidir se as denúncias descritas no pedido de impeachment devem ser levadas a julgamento pelo Senado. O relator decidiu que sim, e foi seguido pela maioria da comissão formada para julgar a admissibilidade do processo — 38 votos a favor e 27 contra o impeachment.
Nos próximos dias, todos os deputados federais, por maioria qualificada, decidirão se concordam com essa decisão. Eles são os legítimos representantes do povo brasileiro, aqueles a quem a Constituição incumbiu dessa tarefa. E os brasileiros respeitarão sua decisão, seja qual for, porque é isso o que exige a nossa Constituição. Simples assim.
Se o pedido de abertura do processo de impeachment vier a ser aprovado, em sessão inicialmente prevista para o final de semana, o julgamento de Dilma caberá ao Senado, sob o comando do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Sempre conforme o roteiro estabelecido pela própria Corte e a Constituição.
Espera-se, agora, que as ameaças feitas por diversas vezes pelo advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, de recorrer ao Judiciário (STF) sempre que considerar que direitos da presidente estejam sendo desrespeitados, não se confirmem. É certo que a defesa tem absoluto lastro legal para usar de todos os recursos previstos em lei, e a qualquer momento que assim considerar necessário. Mas, na crise grave por que passa o país, deve ser levado em consideração por todos, oposição e situação, que o tempo conspira contra a nação.
Seja qual for o desfecho do processo de impeachment, ele precisa vir o mais rapidamente possível. O somatório da crise política com a crise econômica, semeada em parte durante uma campanha eleitoral em que a presidente vendeu um futuro fantasioso, apenas para conquistar a reeleição — enquanto aprofundava os equívocos do “novo marco macroeconômico” —, paralisa o país há quase um ano e meio. E projeta um indevassável horizonte de incertezas.
A inflação que fugiu ao controle, em 2015, com a consequente retração do consumo, e o mergulho em parafuso da produção nas fábricas geram um quadro social insustentável.
As próprias conquistas sociais tão alardeadas como patrimônio privado pelo PT estão se dissolvendo diante de um desemprego que avança hoje a taxas de dois dígitos, agravado por uma inflação em queda, mas ainda muito elevada, acima do limite da meta, de 6,5%.
Como em boa medida as decisões dos agentes de mercado, inclusive consumidores, se constroem a partir de expectativas, e, como elas continuam muito negativas com relação ao Brasil, a crise tem conseguido se projetar para a frente, num círculo vicioso cujo desfecho pode ser ainda mais dramático.
Romper o impasse político do impeachment é o passo que precisa ser dado no Congresso. Não que seja uma solução mágica. A votação final do impeachment, no Senado, independentemente do resultado, não será o desfecho da crise. Deve-se ser realista.
Em qualquer hipótese, ela deverá persistir. Pode-se lamentar esse prognóstico, mas não temê-lo. Porque a Constituição continuará a indicar o caminho para a superação dos males que afligem os brasileiros.
Já se foi o tempo em que este país apelava para soluções heterodoxas e inconstitucionais, como a adoção do parlamentarismo para evitar a posse de Jango na Presidência, ou a soluções de força, como o golpe militar que o apeou do poder e tantos males trouxe à nação.
Por esse motivo, não faz sentido o chamamento para eleições antecipadas, a menos que isso seja a consequência constitucional de julgamento de processos em curso no Tribunal Superior Eleitoral, onde tramitam acusações sobre a origem de recursos da campanha de Dilma. O Brasil está maduro. Fora da Constituição, não há saída. O caminho pode ser tortuoso, sofrido, trazer sacrifícios extras, mas será a nossa Lei Maior, e apenas ela, que nos conduzirá à superação dessa grave crise que paralisa o país.
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