- O Estado de S. Paulo
Digam o que disserem Michel Temer e seus principais articuladores, o fato, nu e cru, é que a gravação com o vice já assumindo de véspera a Presidência é um vexame e um erro grave, que tende a ter efeitos negativos para ele exatamente quando Dilma Rousseff perde na Comissão de Impeachment. O problema não é um voto a mais ou a menos no plenário, mas é o impacto deletério na imagem de Temer junto à opinião pública (que, diga-se, já não é a melhor do mundo).
Sempre tão econômico em gestos e sorrisos, medindo cada palavra, o professor de Direito Constitucional Michel Temer vem dando mostras de que está inebriado pela perspectiva de assumir o poder, louco para enxotar Dilma e pular na cadeira. Ora é aquela carta absurda para Dilma, ora é a articulação à luz do dia para captar votos pró-impeachment. E, agora, esse áudio inacreditável.
Para os mais próximos de Temer, como os ex-ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, é possível “fazer desse limão uma limonada”: já que o áudio vazou, usá-lo para reforçar a ideia de Temer como um homem do diálogo, responsável e capaz de capitanear um processo de união nacional, que acena a todos os partidos para tirar o País da crise e vai tomar medidas duras, mas manter o Bolsa Família, o Pronatec e o Fies.
O primeiro resultado do áudio, porém, foi reforçar o discurso do PT e de seus aliados de que há “um golpe” em curso e “um golpista-mór” pronto a derrubar Dilma para tomar de assalto o poder. Isso ficou claro, ontem, no tom governista na Comissão do Impeachment.
No discurso mais inflamado e mais teatral da longa sessão, o deputado Silvio Costa (PT do B-PE) – que vem da direita, mas se tornou mais petista que a maioria dos petistas – acusou que Temer “trama um golpe” e definiu o vice para uma opinião pública ávida para entender quem é “esse Michel Temer” que pode vir aí. “Sempre foi um grande dissimulado. Ele e Eduardo Cunha se merecem!”, disse, tentando, sem sucesso, transmitir a fala de Temer pelo microfone. E acabou gritando contra a própria comissão: “Isso aqui é um golpe, uma afronta, uma pouca vergonha!”.
Temer poderia passar sem essa, até porque não está com essa bola toda e acaba de levar mais um tranco com a pesquisa Datafolha: se 61% defendem o impeachment da presidente, 58% também pregam o do vice. A maioria da opinião pública quer tirar Dilma e o PT, mas não para por Temer e o PMDB no lugar, como determina a Constituição.
Com a fita de Temer, todo pomposo no papel de “estadista”, antes mesmo do impeachment, o mais provável é que essa diferença já mínima entre os defensores do “Fora Dilma” e do “Fora Temer” simplesmente evapore. E justamente no momento mais crítico do processo de impeachment.
Na semana que começou com a comissão e vai terminar com a votação no plenário da Câmara, a onda pró-impeachment vem aumentando, encorpando. PV, PSB, SD, boa parte do PP e do PSD, a bancada ruralista, a bancada evangélica e a sempre cautelosa Marina Silva, da Rede, vêm assumindo o voto pró-impeachment. O áudio de Temer não ajuda em nada essa onda.
Não é original, mas se torna obrigatório, comparar com o gesto amador de Fernando Henrique Cardoso, que se sentou na cadeira de prefeito de São Paulo e no dia seguinte não apenas amargou a derrota como sofreu o constrangimento de ver Jânio Quadros “desinfetando” a cadeira da qual comandaria a maior Prefeitura do País.
Haverá mil e uma versões para o vazamento, a partir do envio do áudio pelo celular, mas, qualquer que seja a real, só aumenta a interrogação sobre a capacidade de Michel Temer de comandar a transição. Na gravação, o vice acena com um governo de “salvação nacional”. Tudo o que conseguiu foi piorar a sensação do “salve-se quem puder”.
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