• A presidente Dilma Rousseff já não governa: há meses dedica-se à agitação política, na qual repete o mantra de que está sendo vítima de um golpe, que é falso
- Correio Braziliense
O país vive o lusco-fusco entre a aprovação da admissibilidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela comissão especial da Câmara, na qual a oposição teve maioria folgada, e a votação do mesmo no plenário da Casa, que somente deve ser concluída no domingo, no qual serão necessários 342 votos favoráveis para aprovação. O Palácio do Planalto precisa mobilizar apenas 172 deputados em seu apoio, para votar contra, se abster na votação ou se ausentar do plenário. Nesse período, o país estará à matroca, desgovernado.
A presidente Dilma Rousseff há meses dedica-se à agitação política, na qual repete o mantra de que está sendo vítima de um golpe de estado, o que não é verdade; se o fosse, já teria decretado estado de sítio, censurado a imprensa e convocado as Forças Armadas. Quanto mais radicaliza o discurso, mais ela se isola politicamente. Na verdade, já não governa. Essa tarefa foi delegada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi nomeado ministro da Casa Civil, mas não tomou posse porque está enrolado na Operação Lava-Jato. Lula articula uma reforma ministerial para evitar a deposição de Dilma.
Uma reforma ministerial faz todo o sentido, uma vez que a crise econômica se agrava, seus efeitos sociais aumentam e as demandas da população em relação a administração crescem, sem serem atendidas, em todos os setores. Saúde, educação, transportes de massa, segurança pública, falta de moradia, uma ciranda de problemas faz com que a recessão, o desemprego e a inflação atinjam ainda mais a população pobre. O gabinete que está sendo montado por Lula, porém, não tem nada a ver com isso, é um leilão fisiológico e patrimonialista de cargos e ministérios.
Quem governa Brasil? O governo é a forma mais concentrada de poder, mesmo quando mergulha rumo ao fundo do poço, arrecada, normatiza e exerce enorme poder de coerção, como já se disse aqui. Lula move mundos e fundos para montar uma espécie de gabinete de sobrevivência. Ninguém sabe o que vai acontecer no domingo. O muro instalado na Esplanada dos Ministérios, porém, é uma imagem que entristece. Qualquer que seja o resultado da votação, mesmo que as grades e o muro sejam retirados, o país estará irremediavelmente dividido entre o vermelho e o verde-amarelo. Essas são as cores da crise.
O ato falho
Uma gravação feita pelo vice-presidente Michel Temer, enviada por engano a um grupo de parlamentares pró-impeachment, deixou-o na maior saia justa. Temer fala como se estivesse na iminência de assumir a Presidência, em razão da hipotética aprovação do pedido de impeachment pela Câmara no domingo. É um discurso dirigido ao Senado, às elites econômicas e à opinião pública, que deveria ser divulgado somente depois da votação, caso a oposição seja vitoriosa. A gravação tem tudo para ser um grande mico, mas acontece que o mandato de Dilma Rousseff subiu no telhado. Quando um governo se desmancha no ar, surgem alternativas de poder
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Quando acusavam o impeachment de ser um golpe de estado, os governistas invocaram a deposição de João Goulart pelos militares em 1964. Mas essa é uma falsa comparação histórica, porque a situação é completamente diferente: a guerra fria acabou, não existe interferência dos Estados Unidos nessa crise, os militares já avisaram que vão cumprir a Constituição e a Operação Lava-Jato não é um inquérito policial militar no Galeão. A transformação da presidente Dilma numa rainha da Inglaterra, com entrega das rédeas do governo ao ex-presidente Lula e a montagem de uma base parlamentar minoritária no Congresso, também poderia ser chamada de um golpe parlamentarista com sinal trocado. Normalmente, governos parlamentaristas têm maioria congressual.
Mas voltemos ao ato falho de Temer. “A grande missão, a partir deste momento, é a pacificação do país, a reunificação do país, é o que eu repito, o que venho pregando, como responsável por uma parcela da vida pública nacional. Devo dizer também que isso fica para — aconteça o que acontecer no futuro — um governo de salvação nacional e união nacional”, disse Temer. Na avaliação do vice-presidente, sem a “unidade nacional” será “difícil” enfrentar a crise. Ao defender “diálogo” entre os partidos, Temer conclama “à pacificação do país, à unificação do país, porque é chocante — para não dizer tristíssimo — verificar brasileiros controvertendo entre si, disputando ideias e espaços. E quando parte para uma coisa quase física, isto não pode acontecer no nosso país”. De bobo, Temer não tem nada.
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