João Domingos – O Estado de S. Paulo
Foi dupla a derrota do governo na votação do processo de impeachment na comissão especial da Câmara. Em primeiro lugar, o placar de 38 votos a favor e 27 contrários à aprovação do relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO) foi bem maior do que o Palácio do Planalto esperava. Em segundo lugar, a votação mostrou que os favoráveis ao afastamento da presidente Dilma Rousseff cresceram exponencialmente. Quando a comissão especial foi formada, eles calculavam ter entre 17 e 20 votos contra mais de 40 do governo.
O relatório favorável ao impeachment segue agora para o plenário da Câmara diante não só de um País marcado pelas crises política, econômica e ética, mas também de certa forma dividido entre os que desejam a saída da presidente Dilma e os que lutam para que ela fique. Por isso mesmo é que, qualquer que seja a decisão da Câmara daqui a uma semana, a crise vai continuar.
Caso o impeachment seja aprovado, é provável que ela passe mais rápido, porque o vice-presidente Michel Temer tem uma proposta de união nacional que pode dar certo. Se o governo vencer a batalha, Dilma Rousseff estará de novo diante de sua realidade: um governo impopular e medíocre, assim reconhecido pelos aliados nos discursos que fizeram durante a votação na comissão especial. Mas, segundo todos eles, pelo menos honesta.
A toda essa constatação, junta-se outra, esta potencialmente alimentadora de crises: não há mais possibilidade de reconciliação entre a presidente da República e seu vice Michel Temer. O vice agora é o alvo de 100% dos petistas e dos aliados da presidente Dilma Rousseff, que lhe atribuem com mais força a marca de golpista desde a tarde desta segunda-feira, 11, quando se tornou pública uma mensagem de cerca de 15 minutos em que Temer se diz pronto a assumir o governo.
Apesar de Temer ter dito que o áudio vazou acidentalmente, difícil acreditar que um político experiente como ele tenha cometido erro tão infantil. O mais certo é que o vazamento tenha sido planejado. Carrega consigo uma mensagem, a de que Temer dará estabilidade ao País, um argumento forte diante da instabilidade diária gerada pelo governo de Dilma Rousseff. Principalmente porque o setor produtivo já se posicionou contra a presidente e está nas ruas a pedir seu impeachment.
Muitos disseram que Temer foi apressado e que quase pôs tudo a perder. O andar da carruagem política parece dizer o contrário. Se impedida de exercer a Presidência, Dilma terá de dar lugar a Temer. Por que não dizer ao Brasil, no dia em que seria votado o parecer a favor do impeachment pela comissão especial da Câmara, que é confiável, que não acabará com os programas sociais, que fará mudanças radicais na economia, como quer o mercado? Trata-se de um recado direto aos que podem, com ele, assumir a proposta de um governo de união nacional.
Temer não tinha nada a perder com a divulgação do áudio em que praticamente expõe seu programa de governo. Se o mandato de Dilma for preservado, ele continuará na cadeira de vice-presidente, da mesma forma sem função na administração pública. Isso já ocorre hoje. Se Dilma for impedida, assume a Presidência e faz a proposta de união nacional.
Exposto, embora chamado de golpista, Temer tem condições de se contrapor à compra de apoio promovida pelo ex-presidente Lula, da qual participam partidos médios e pequenos, todos eles rachados. Se Lula oferece um ministério, um cargo numa estatal, a liberação do dinheiro de uma emenda parlamentar, por que Temer não pode fazer o mesmo, agora que se expôs publicamente? Esse é o raciocínio mais lógico em toda essa disputa de poder.
Que Temer trabalha contra a administração de Dilma Rousseff é sabido de todos, até antes de o PMDB desembarcar do governo. Ele considera a presidente desagregadora e incompetente. Muito antes do começo para valer do processo de impeachment, ele se apresentou como a figura que poderia trabalhar a união nacional. Por que não fazê-lo agora, que o impeachment está aí, precisando só de um empurrãozinho?
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