• As propostas de plebiscito e convocação de eleições gerais não passam de mero diversionismo
- Correio Braziliense
O fim melancólico do mandato da presidente Dilma Rousseff — vamos considerar que os políticos morrem várias vezes — mereceria uma reflexão mais profunda daqueles que estiveram com ela no poder. Sua carta de despedida, divulgada na terça-feira, porém, revela que ela e seu grupo de colaboradores mais próximos, entre os quais despontam os ex- ministros Aloizio Mercadante, José Eduardo Cardozo e Ricardo Berzoini, políticos com experiência para rever os próprios erros e começar tudo outra vez — são incapazes de fazê-la. No caso dela, não é de surpreender, pois, se nunca fez autocrítica da opção pela luta armada durante o regime militar, ou seja, a luta errada, também não pretende fazê-lo quanto aos graves equívocos que cometeu na condução do país e que resultaram na maior recessão de nossa história.
Dilma teve oportunidade de corrigir os rumos de seu governo após as manifestações de junho de 2013, quando os jovens foram para as ruas protestar contra tudo e contra todos. À época, tentou se aproveitar da situação e cavalgar o descontentamento para atalhar a política e atropelar as instituições: propôs a convocação de uma Constituinte exclusiva. Atribuiu os problemas do país ao Congresso, à oposição e aos próprios aliados. Era uma espécie de fuga pra frente, que mirava a própria reeleição e não uma avaliação correta da situação pela qual o país passava, em consequência da sua “nova matriz econômica”, e que resolveu mascarar com as chamadas “pedaladas fiscais”. Jogou tão pesado em relação à sua permanência no poder que a primeira vítima foi seu padrinho político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aspirava voltar à Presidência. O “Volta, Lula!” foi sepultado no Congresso do PT, quando sua candidatura à reeleição foi lançada pelo presidente da legenda, Rui Falcão, sem que Lula nada pudesse fazer para reverter a situação. A criatura voltou-se contra o criador.
O resultado foi uma vitória de Pirro em 2014, com o posterior colapso do governo, em 2015. Dilma guerreira, a mulher de coragem, enclausurada numa jaula de cristal, foi incapaz de perceber os próprios erros. E ainda acredita nas suas ideias envelhecidas de forma dogmática. Ela não está sozinha quanto a isso, esse é o maior problema. Um coquetel esquerdista que mistura nacional-desenvolvimentismo, corporativismo, populismo e o velho antiamericanismo, além da total falta de semancol, é a ideologia dos setores de esquerda que ainda veem o governo Dilma como um avanço e culpam os outros pelo próprio fracasso. Na verdade, é esse atavismo ideológico que a tese de que o impeachment é um golpe de Estado encobre. Foi para esses setores, e não ao povo brasileiro e ao Senado, como afirma a carta, que Dilma sinalizou ao propor a realização de um plebiscito sobre a convocação de eleições gerais, sob sua presidência, é claro, para que o Brasil encontre uma saída da crise. Trata-se, mais uma vez, da luta errada, que não tem a menor chance de ser vitoriosa.
O voluntarismo que também embala as propostas de plebiscito e convocação de eleições gerais ignora o fato de que a Constituição de 1988 considera cláusulas pétreas os mandatos populares, que só podem ser interrompidos nos casos previstos em Lei — por crime de responsabilidade ou quebra de decoro, por exemplo —, ou seja, os mandatos eletivos não podem ser cassados de forma generalizada. Mesmo se todos deputados e senadores renunciarem, seus suplentes têm direito a assumir os respectivos mandatos. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, foi um dos primeiros a mostrar que a proposta está fora da realidade: “A presidente Dilma na Câmara teve 140 votos. Se ela tivesse 171 teria impedido o impeachment. Ela vai agora aprovar uma emenda constitucional na Câmara e depois no Senado? Respondam vocês mesmos”. Mesmo que fosse aprovada, ainda assim, a proposta teria que ter sua constitucionalidade apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.
Há um consenso entre os políticos de que o país precisa de uma reforma política, que possibilite uma solução robusta para a crise do sistema eleitoral e partidário. Entretanto, não existe massa crítica para aprovação de mudanças no sistema eleitoral e na legislação partidária pelo Congresso. O afastamento definitivo de Dilma Rousseff não resolve essa questão, que passará a ser prioridade do governo para a superação da crise política e para o seu próprio êxito. A sobrevivência do stablishment político está ameaçada pela Operação Lava-Jato. Entretanto, o PT é o partido mais responsável e mais atingido pela crise ética, com suas principais lideranças ameaçadas de sobrevivência. Haja vista a decisão do ministro Teori Zavaski, relator da Lava Jato no STF, que autorizou a abertura de inquérito contra presidente Dilma, o ex-presidente Lula e os ex-ministros Mercadante e Cardozo por tentativa de obstrução da Justiça no caso Delcídio do Amaral- Nestor Cerveró, ambos réus e colaboradores da Operação Lava Jato.
Mas voltemos às lutas erradas. Dilma e seus aliados voltam a empunhar velhas bandeiras que foram ultrapassadas pela realidade. É a maneira de mascarar uma experiência frustrada de exercício do poder, derrotada pelo seu transformismo político e cretinismo parlamentar.
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