- Valor Econômico
• A eleição deste ano se conecta a 2013 mais que ao impeachment
Não é a primeira vez que uma eleição municipal se processa subterraneamente. Em 1992, o impeachment e o massacre do Carandiru tiraram do noticiário a disputa municipal que marcaria o renascimento de Paulo Maluf em São Paulo e o início do ciclo de Cesar Maia no Rio. O pleito de 24 anos atrás está pouco documentado e estudado, mas marcou uma inflexão anti-Lula e anti-Brizola que se aprofundaria ao longo da década de 90.
A eleição de 1992 foi encoberta pelo impeachment, mas não estava diretamente relacionada a ele. O PDT não perdeu a eleição no Rio apenas porque foi um dos últimos partidos a abandonar Collor. Maluf também aderiu tardiamente ao impeachment e ainda assim triunfou em São Paulo. Havia uma ponte entre as eleições de 1989 e 1994, pelas quais passaram Collor e Fernando Henrique, que estava fechada aos candidatos das esquerdas. No meio dela estavam as eleições para prefeito de capital, com o clamor de uma renovação, distante do populismo e das bandeiras vermelhas.
A eleição de 2016 deve assinalar a retirada do PT do quadro das forças partidárias relevantes em termos eleitorais. Ao menos no primeiro turno, se elevam nas grandes capitais do Sudeste figuras que pertencem ao "establishment" político, mas que são identificadas com a antipolítica em função de sua origem, longe dos tradicionais padrões de recrutagem. É o caso do senador Marcelo Crivella, no Rio; e de João Leite, em Belo Horizonte. Só há um amador que desponta: o cartola Alexandre Kalil, em Belo Horizonte.
Fora do Sudeste, chama a atenção o túnel do tempo ensaiado por Curitiba, a pátria da Lava-Jato, em que o prefeito Gustavo Fruet está em grande desvantagem frente a Rafael Greca, que foi o prefeito eleito justamente em 1992, e cuja carreira política entrou em ocaso junto com toda a corrente liderada por Jaime Lerner. O passado também é evocado em Goiânia, onde quem está na frente é Iris Rezende, ex-prefeito cujo primeiro mandato na capital goiana foi interrompido pelo AI-5 em 1969.
A reeleição é uma onda sobretudo no Norte e Nordeste, com a liderança de Arthur Virgílio, em Manaus; ACM Neto em Salvador; Geraldo Júlio no Recife e Roberto Claudio em Fortaleza. A votação do Psol tende a ser expressiva, mas as circunstâncias não são favoráveis para um triunfo do partido em cidades onde as esperanças eram grandes, como Porto Alegre e Rio de Janeiro.
O que se pode inferir é que há um movimento geral de ruptura em relação ao prefeito de turno e o impeachment pesa pouco. As eleições deste ano parecem estar mais ligadas a 2013 do que ao 2014 da Lava-Jato e aos dois últimos anos do impeachment.
As manifestações que eclodiram há três anos não eram um grito apenas por serviços públicos melhores e mais baratos, mas também um coro contra partidos, sindicatos e toda uma gama de crenças da esquerda institucionalizada. Foram protestos contra o que o ex-ministro Tarso Genro chamava de "concertação", em que o petismo promovia arranjos com todo mundo para distribuir ganhos.
Caso ganhem a eleição, figuras como Crivella, Leite e caciques do passado o terão feito por representarem a volta de uma era de realizações ou a "ruptura com tudo que está aí".
Somente na terra natal do PT o antipetismo alimentado pelo impeachment pode pesar de modo decisivo na eleição, acelerando João Doria, já líder na pesquisa do Datafolha.
Ainda assim, e vários tucanos que o combatem internamente estão aí para confirmar, uma vitória de Doria não será exatamente uma vitória do PSDB. O partido mal aparece em sua campanha eleitoral. É um rosto novo, conta com um generoso tempo no horário eleitoral de rádio e televisão e a maior receita para uma campanha depauperada.
Deve muito, quase tudo, a Alckmin, mas nada a Aécio, Serra e Fernando Henrique. Doria, contudo, está longe de ser um poste, uma invenção de Alckmin para fincar sua bandeira na capital do Estado. O milionário candidato simboliza um sentimento, uma onda. Este empresário de eventos, que há dez anos inventou um movimento chamado "Cansei", também se conecta com o ódio à atividade política que cresceu no país.
Arquivo X
A 34ª fase da Operação Lava-Jato foi batizada de "arquivo X", em homenagem ao empresário Eike Batista, mas poderia ganhar outros apodos, como "Tiro no Pé", por exemplo. Se os petistas precisavam de mais algum argumento para intensificar a narrativa de que são vítimas do arbítrio, de um jacobinismo ou macartismo caboclo, ganharam-no na manhã de ontem com a prisão de Guido Mantega, na porta de um hospital, acompanhando a mulher doente de câncer.
A chocante prisão temporária de Mantega obscureceu a motivação da nova fase, letal para o PT: o ex-ministro é o vértice em que se encontram Eike, ente pagador, e João Santana, o recebedor. Um caso escandaloso de corrupção de consequências imprevisíveis para o partido, para Dilma Rousseff e para Lula. Ministro da Fazenda mais longevo da história pátria, Mantega também é o único ex-titular da pasta a ter sido preso. Com sorte, poderá compartilhar o destino de Zélia Cardoso de Mello, que foi ré em um processo de corrupção passiva e absolvida quando o processo subiu para a segunda instância.
Tudo isso foi para o segundo plano, diante da detenção de alguém que não iria fugir, não iria coagir testemunhas, não representava risco à ordem pública e nem destruiria documentos, na situação em que se encontrava.
Ao longo de seus dois anos e meio de lida, os investigadores da Lava-Jato em outras situações monitoraram o suspeito de véspera e sabiam onde estaria o procurado antes do cumprimento dos mandados. Um dos casos célebres é o do doleiro Alberto Youssef, preso em um hotel de São Luís. A situação de ontem era evitável. O recuo da força-tarefa com a revogação da prisão temporária estancou as consequências do deslize, mas afinou a linha já tênue que sempre separou uma investigação sobre agentes políticos de uma perseguição política.
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