Num intervalo de 6 horas, Guido Mantega, ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma, foi preso e solto por ordem do juiz Sérgio Moro. Na hora da prisão, Mantega acompanhava a mulher numa cirurgia. Moro disse que desconhecia o fato e mandou soltá-lo. O ex-ministro foi acusado por Eike Batista de ter pedido a ele R$ 5 milhões para o PT.
Mantega é preso pela PF e libertado 6 horas depois
• Ex-ministro foi acusado por Eike Batista de pedir R$ 5 milhões para pagamento de dívidas do PT
Cleide Carvalho, Thiago Herdy, Mariana Sanches, Dimitrius Dantas - O Globo
-SÃO PAULO E CURITIBA- O ex-ministro Guido Mantega protagonizou ontem um das maiores polêmicas em meio às investigações da Lava-Jato. Alvo da 34ª fase, chamada de Operação Arquivo X, Mantega foi detido no início da manhã enquanto acompanhava a cirurgia de sua mulher, que tem câncer, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Embora os procuradores tenham reiterado a necessidade da prisão, o juiz Sérgio Moro mandou liberar o petista seis horas depois de deflagrada a operação, quando Mantega já havia sido levado para a sede da Polícia Federal, em São Paulo, de onde seria transportado para Curitiba.
A prisão de Mantega foi provocada por um depoimento do empresário Eike Batista, que disse à Lava-Jato, em maio, que Mantega lhe pediu R$ 5 milhões para pagar dívidas de campanha do PT. O dinheiro saiu de uma offshore da OSX, empresa de Eike, e foi depositado na Suíça: US$ 2,3 milhões na conta offshore ShellBill, do ex-marqueteiro do PT, João Santana, e da mulher dele, Mônica Moura.
Embora tenha ressaltado que os fatos investigados são graves, Moro determinou a soltura imediata, sem consultar MPF e PF. Tomou a decisão depois das notícias sobre as circunstâncias em que o ex-ministro foi preso. Antes da soltura, foram feitas muitas críticas — inclusive pelo ex-presidente Lula e pelo presidente do PT, Rui Falcão — à forma como ocorreu a prisão.
No despacho, Moro afirmou que as autoridades, inclusive ele, desconheciam a situação enfrentada por Mantega. Considerou que as buscas já tinham sido realizadas e que o ex-ministro, que acompanhava a mulher, deveria “assim continuar", o que esvaziava riscos à colheita de provas. O MPF havia pedido a prisão preventiva de Mantega por 30 dias. Moro tinha autorizado prisão temporária de cinco, com a possibilidade de estender o prazo, caso necessário.
Os policiais foram primeiro à casa de Mantega, onde encontrou apenas o filho do casal, de 16 anos, e uma funcionária. Dali, seguiram para o hospital. Em nota, a PF explicou que foi feito antes contato telefônico. O ex-ministro estava na antessala do centro cirúrgico, e sua mulher estava anestesiada e semiconsciente quando ele recebeu o telefonema, e desceu ao saguão para se entregar. O advogado José Roberto Batochio afirmou que seu cliente havia ficado “arrasado”.
Ao saber da prisão no hospital, a primeira reação das autoridades da Lava-Jato foi considerar “uma infeliz coincidência”. O delegado Igor de Paula se preocupou, porém, em detalhar as circunstâncias.
—Infelizmente, situações como esta são tristes quando acontecem, mas não há como não cumprir ordem judicial — disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima.
Mais tarde, o MPF afirmou que Moro tomou a decisão de liberar o ex-ministro “em caráter humanitário”.
— Qualquer tese de humanitarismo foi jogada no lixo. Guido é um homem que tem residência fixa, portanto as pessoas poderiam tratá-lo como todo ser humano precisa ser tratado — disse Lula
Mantega deixou a sede da PF por volta das 13h40m. Solto, saiu criticando Eike Batista:
— Eike falsificou balanços e enganou o mundo inteiro com seus negócios. Agora, está falseando essa versão de propina — disse ele a um interlocutor.
A reunião com Mantega, relatada por Eike Batista, ocorreu em 2012 e constou da agenda pública do Ministério da Fazenda. Segundo o juiz Moro escreveu em despacho, no mesmo dia foram identificadas ligações de empresas de João Santana para telefones instalados na chefia de gabinete do ministério.
Mantega foi ministro, mas também presidiu o Conselho de Administração da Petrobras. Segundo o MPF, Eike Batista não relacionou o depósito feito na conta do marqueteiro a propinas. O MPF, no entanto, acredita que o valor dado ao PT foi parte da propina paga pelo Consórcio Integra, formado pela OSX de Eike e pela Mendes Júnior, para obter contrato de R$ 922 milhões para fornecer as plataformas do pré-sal P-67 e P-70.
A conta ShellBill, de Santana e Monica Moura, é a mesma na qual o casal já admitiu ter recebido valores da Odebrecht e do Grupo Keppel Fels. Para o MPF, a origem do dinheiro, em todos os casos, foi propina.
— O que podemos dizer sobre Eike Batista é que ele compareceu espontaneamente na forçatarefa, e prestou depoimento onde narrou os fatos e apresentou provas. Ele é ouvido como testemunha, não é colaborador, então estava no direito constitucional de permanecer em silêncio ou oferecer as informações que desejasse — disse Lima.
— Imaginávamos que ele seria convocado. Então, ele se antecipou para evitar deturpação dos fatos e relatar o que realmente houve — explicou o advogado de Eike, Raphael Mattos.
A Arquivo X, segundo o MPF, seguiu três vertentes da corrupção envolvendo o Consórcio Integra. Além do dinheiro ao PT, a Mendes Junior teria feito um pagamento de R$ 7,3 milhões à empresa Trend, de João Augusto Henriques, já condenado na Lava-Jato e apontado como operador do PMDB da Câmara. O Integra teria assinado ainda contratos com a Chemtech (do Grupo Siemens), VWS Brasil (Veolia) e o Grupo Tecna-Isolux para repassar propinas. A Tecna-Isolux recebeu R$ 6 milhões, e o MPF investiga repasses ao exministro José Dirceu e ao ex-deputado André Vargas.
Na OSX, a PF apreendeu uma planilha de informações vinculadas aos diretores da Integra, o relatório da consultoria FTI sobre a Integra, e notas fiscais. Além de Mantega, tiveram prisão temporária decretada Luiz Eduardo Carneiro (ex-presidente da OSX), Danilo Baptista (diretor da OSX), Luiz Claudio Machado Ribeiro (Mendes Junior), Ruben Costa Val (Mendes Júnior), Luiz Eduardo Neto Tachard (Tecna/Isolux), Júlio Cesar Oliveira Silva (Isolux) e Francisco Corrales Kindelán (Tecna/Isolux). (Colaboraram Katna Baran e Glauce Cavalcanti)
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