- O Globo
“O ministro de Estado me pediu, o que que você faz? Eu tenho R$ 40 bilhões investidos no país, como é que o senhor faz?” A pergunta foi feita por Eike Batista na Procuradoria-Geral da República. Espontaneamente, ele contou o episódio: no seu gabinete no Ministério da Fazenda, Guido Mantega pediu a ele que fizesse uma doação ao PT para pagar dívidas que restavam da campanha.
Era o dia primeiro de novembro de 2012, e o ministro falou em dívidas que haviam ficado, portanto, de 2010. Eike havia marcado a audiência para tratar de seus investimentos. “A pauta era geral, sobre projetos, porque era uma empresa grande que todo mundo queria conversar”, explicou. O pedido foi de R$ 5 milhões, e ele foi encaixado na conversa por Mantega, segundo o empresário.
O ministro da Fazenda acumulava o cargo de presidente do Conselho de Administração da Petrobras. Tinha muito poder e sabia disso. Se houve, não foi um pedido inocente, de um militante fervoroso do partido. Era o poder que contrata e decide sobre quanto se paga de impostos, que baixa medidas que dão lucro ou prejuízo para empresas, que combate evasão fiscal, pedindo dinheiro para pagar contas de campanha, inclusive fora de período eleitoral.
Eike é figura controvertida, para dizer o mínimo. Hoje está tentando refazer seu conglomerado. Naquele momento, sonhava em ser o homem mais rico do mundo. Ele deu sequência ao pedido, conforme relatou espontaneamente. “Informei meu advogado: olha, você vai ser procurado, entendeu, então recebe e operacionaliza de maneira republicana da empresa.”
Fica-se sabendo, assim, que Eike achava que havia uma forma “republicana” de fazer aquilo. Mônica Moura, mulher de João Santana, procurou o advogado. Houve, então, um pequeno desentendimento sobre esse republicanismo. Eike queria que eles prestassem algum serviço, de fato. Mônica queria fazer um contrato de simulação de prestação de serviço.
Mônica estava muito à vontade naquele mundo dos contratos fictícios, transações entre empresas offshore, recebimentos indiretos de atrasados da campanha. Tanto que a transferência de US$ 2,35 milhões foi feita para a empresa Polis Caribe, em dezembro de 2012, mas ela devolveu o dinheiro. Quis que o contrato fosse feito com outra empresa da família Santana, a Shellbill, o que aconteceu em abril de 2013. Imagine o que perdeu de quatro meses de aplicação desse dinheiro.
Isso foi antes de os Santana comandarem uma campanha agressiva contra os adversários políticos que acabou reelegendo Dilma. Já há outros fortes indícios de que eles receberam, para a segunda campanha, dinheiro no exterior vindo de propina paga por fornecedores da Petrobras. As investigações seguem em Curitiba e Brasília, o processo continua no Tribunal Superior Eleitoral. A dúvida que permanece é: se ficar provado, isso inviabiliza apenas a presidente, já sem mandato, ou a chapa que concorreu em 2014?
Guido Mantega foi o mais longevo ministro da Fazenda do período democrático. Exerceu uma política econômica que distribuiu redução de impostos para grupos e setores empresariais. Suas desonerações criaram dois tipos de contribuinte: o que pagava o imposto integral e o que tinha descontos. Essa escolha exauriu os cofres públicos. Foi o ministro também que, junto com o secretário do Tesouro Arno Augustin, decidiu usar os bancos públicos para pagar despesas orçamentárias, nas pedaladas, e manipular estatísticas públicas. Mantega pode ser inabilitado para funções públicas pelo TCU.
A dúvida que surgiu ontem foi resolvida pelo juiz Sérgio Moro quando decidiu revogar a prisão do ex-ministro. Ele havia sido preso no hospital. Estava com a mulher, que faria uma cirurgia, atendeu o telefone da Polícia Federal e desceu para ser preso. O procurador chamou de “coincidência infeliz”. Toda essa história é infeliz, principalmente se ficar provado que Mantega pediu dinheiro a Eike para pagar João Santana no exterior. São várias ilegalidades cometidas numa operação que começou no gabinete do ministro da Fazenda. Eike nega que o dinheiro é de propina, mas, por outra coincidência, 28 dias depois de receber o pedido do ministro, ele recebeu pagamento da Petrobras.
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