- O Globo
“Quando a obra dos melhores chefes fica concluída, o povo diz: fomos nós que a fizemos”. Lao-Tsé, antigo filósofo chinês.
Na segunda-feira 20 de novembro, cinco dias depois do primeiro turno da eleição presidencial de 1989, Leonel Brizola, então ex-governador do Rio, convocou o deputado Miro Teixeira (PDT) para uma reunião no seu apartamento da Avenida Atlântica. “Você se dá bem com o Covas?”, perguntou Brizola. Miro respondeu que sim. “Tenho uma missão especial para você”, emendou Brizola. E disse qual era.
MÁRIO COVAS, SENADOR eleito pelo PMDB de São Paulo, fora candidato a presidente da República pelo recém-criado PSDB e ficara em quarto lugar. Por uma mísera diferença de 0,67% dos votos, Lula tirara a chance de Brizola de disputar com Fernando Collor (PRN) o segundo turno da eleição. Brizola estava certo de que Lula seria derrotado, como de fato foi.
A MISSÃO DE MIRO: convencer Covas a enfrentar Collor se Lula renunciasse a fazê-lo. No caso, Brizola, o terceiro mais votado de um total de 22 candidatos, também renunciaria. Miro voou a São Paulo no mesmo dia. Almoçou com Covas, defendeu a proposta de Brizola, e ouviu dele: “Vou pôr os ouvidos nos trilhos e conversar com alguns amigos. Respondo amanhã”.
DE VOLTA AO RIO, Miro antecipou a Brizola: “Covas não topará”. Não topou. Apoiou Lula, como Brizola também o faria. Mas, antes de fazê-lo, quis ouvir a opinião dos seus companheiros do PDT. Marcou duas reuniões para o sábado seguinte: uma, no fim da tarde no seu apartamento, para a qual convidou meia dúzia de pessoas, entre elas Miro. A outra, à noite, no Riocentro, para quem quisesse ir.
NA PRIMEIRA, OUVIU mais do que falou. E de Miro ouviu um comentário curto e direto que ele levara por escrito: “O povo já foi”. Queria dizer que os eleitores de Brizola naturalmente votariam em Lula. Encerrada a reunião, de saída para o Riocentro onde cerca de dois mil militantes do PDT o aguardavam, Brizola encontrou uma mulher de meia idade, vizinha de prédio, que parecia aflita.
“E AGORA, GOVERNADOR?” — ela indagou. Foi quando Brizola usou pela primeira vez a expressão que acompanharia Lula por muitos anos: “Agora teremos de engolir um sapo, e um sapo barbudo”. No Riocentro, ao cabo de um longo discurso sobre os obstáculos que havia superado ao longo de sua acidentada trajetória política, Brizola defendeu o apoio ao “sapo barbudo”. Saiu aclamado.
NÃO FOI SEMPRE QUE Brizola soube “ouvir os trilhos”. Miguel Arraes (PSB), da geração dele, não soube ouvir ao se opor ao Plano Real e ao governo Fernando Henrique: em 1998, foi surrado impiedosamente ao tentar se reeleger governador de Pernambuco. Mas, dois anos depois, não hesitou ao decidir quem o PSB deveria apoiar no segundo turno da eleição de prefeito do Recife.
NO PRIMEIRO, A ROBERTO Magalhães (PFL) havia faltado menos de 0,60% de votos para que derrotasse João Paulo (PT). “Vamos apoiar João Paulo mesmo que ele não queira”, decretou Arraes. João Paulo derrotou Magalhães por uma diferença de 0,78% dos votos. Reelegeu-se e fez seu sucessor. Este ano, outra vez candidato, é o único nome do PT a disputar o segundo turno numa capital.
JOÃO PAULO DEVERÁ PERDER para Geraldo Júlio, do PSB de Arraes e do seu neto Eduardo Campos, ambos já mortos. Eduardo Paes, no Rio, ao apoiar quem a esmagadora maioria dos eleitores rejeitava, ignorou a lição dada por Covas a Brizola. Atropelado, não morreu porque político costuma ter muitas vidas. Mas levará muito tempo para se recuperar.
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