- O Estado de S. Paulo
A título de justificativa para a anistia a práticas de crime de caixa 2 armada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados os políticos apresentam o pressuposto de que não pode ser condenado quem desconhecia que os recursos de financiamento de campanha provinham de corrupção.
Se essa anistia for aprovada, cerca de 70% – é a estimativa disponível – dos políticos apontados como beneficiários de práticas de propina se livrarão de processos contra eles. A maioria garante não ter conhecimento da origem desses recursos e que dinheiro de propina não vem com carimbo. Caso se empenhassem em saber, saberiam. Mas não se interessaram em saber.
Há muito o que dizer sobre essa operação abafa. Mas fiquemos aqui com a cultura do “não-sabismo”, sistema de enganação, usado como recurso destinado a garantir escapes de responsabilidades. Essa cultura, antiga no Brasil, tem como contrapartida hipócrita fechar os olhos para o que se passa, como se os próprios contratos das grandes obras não fossem redigidos propositalmente de maneira a garantir aditivos e captação de mais recursos destinados a cobrir desvios.
Vale relembrar fatos mais recentes em que prevaleceu a alegação de desconhecimento. O presidente Lula, por exemplo, nunca soube da corrupção que correu solta em seu governo; não sabia do mensalão; não sabia dos saques que se fizeram na Petrobrás, na Eletrobrás e em grande número de empresas estatais; não sabia que as despesas de sua chácara em Atibaia ou do apartamento do Guarujá estavam sendo bancadas com recursos de origens suspeitas e que tinham objetivos mais complexos do que os de puramente servir de “relações públicas” de certas empreiteiras.
A presidente Dilma também jurou ignorância sobre o que se passava na Petrobrás, mesmo no tempo em que era presidente do Conselho de Administração. Nem sequer imaginava a existência de superfaturamento na compra da Refinaria de Pasadena.
Desde os tempos da Grécia Antiga, o ser humano aprendeu que até mesmo os que desconhecem certos fatos importantes da vida não escapam das suas consequências. Édipo, por exemplo, não sabia que aquele que havia assassinado por motivos triviais – na verdade, numa briga de trânsito – era seu pai, Laio. Nem sabia que Jocasta, a mulher com quem se casara, era sua mãe. E, no entanto, nem por isso, a fome, a doença e outras desgraças provocadas pelos desregramentos do líder deixaram de cair sobre Tebas cujo trono ocupava.
Os próceres do “não-sabismo” detestam quem lhes aponta verdades e responsabilidades. Desprezaram Cassandra, amaldiçoaram os profetas que, dedo em riste, denunciavam os desmandos dos reis e, hoje, acusam o Ministério Público, a Justiça e a imprensa de perseguição e de práticas seletivas.
Essa operação abafa é uma tentativa de enterrar a oportunidade de um avanço civilizatório destinado a sanear a vida pública brasileira que vinha se degradando pela corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. É o novo efeito Berlusconi, que em 1994 desossou na Itália a Operação Mãos Limpas, agora reeditada nas cores verde e amarela.
As consequências não tardarão. O cavalo de troia desta ampla blindagem que os políticos tentam contrabandear junto com os projetos de lei das 10 medidas contra a corrupção corrói as esperanças de que sejam erradicadas velhas práticas patrimonialistas que continuam solapando a saúde moral dos brasileiros.
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