Embora pouquíssimos parlamentares tenham disposição para admitir o fato às claras, uma verdadeira guerra parece estar em curso entre a opinião pública e o Legislativo brasileiro.
Mal se revela uma manobra no sentido de beneficiar os muitos acusados de corrupção, advêm com celeridade os recuos e profissões de fé em favor da moralidade pública —apenas para que, em outra frente, novas iniciativas sejam maquinadas para manter políticos fora do alcance da lei.
Não foi, desta vez, na Câmara dos Deputados, mas sim no Senado, que se deu novo e surpreendente exemplo dos subterfúgios em que se distinguem muitos detentores do voto popular.
Votavam-se modificações na lei sobre a repatriação de recursos depositados irregularmente no exterior, de modo a permitir novo prazo para que, mediante pagamento de multas e impostos, o considerável montante de verbas permaneça a salvo das autoridades fiscais.
O dispositivo abre, todavia, oportunidade para que políticos acusados de corrupção possam apagar os rastros de seus eventuais delitos.
Aparentemente, a sessão do Senado que trataria do tema, na noite desta quarta-feira (23), encaminhava-se para resolver satisfatoriamente a questão. Em sua primeira formulação, assinada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), o projeto vedava a adesão de políticos.
Permitia-se, contudo, que seus parentes desfrutassem dos benefícios. Membros da oposição conseguiram —é o que se pensava— corrigir essa óbvia falha do projeto.
Ocorre que nem tudo passou por seu crivo. Vetada a menção explícita ao benefício para parentes de políticos, deixou-se o texto sem referência clara sobre o assunto. O projeto passou, desse modo, a ser omisso: traz a proibição a políticos, mas não exclui mais ninguém da repatriação.
O princípio jurídico é claro: eliminar um benefício não equivale a proibi-lo. Na falta de interdito legal explícito, todo cidadão pode recorrer ao que lhe oferece o poder público. Incluíram-se, portanto, os parentes no esquema de repatriação —por mais que se pretendesse impedir-lhes o acesso.
O lance de prestidigitação, pelo qual sem nada fazer se consegue o inverso do que se pensava ter feito, afronta a opinião pública.
Cabe recurso, já impetrado pela oposição, para evitar que a manobra prevaleça. O projeto deve, de todo modo, ir à Câmara dos Deputados, onde passará por nova oportunidade de aperfeiçoamento.
Isso se não sofrer, o que também é plausível, outra rodada de manobras e desvios de modo a livrar, ainda aqui, os corruptos da punição que estão a merecer.
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