Por Juliano Basile – Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
WASHINGTON - O Brasil padece da falta de habilidade para formar um centro decisório político modernizante, capaz de tornar o sistema capitalista mais inclusivo, tarefa que os últimos governos do PSDB, PT e agora, do PMDB, mostraram incompetência para cumprir. Em "De Lula a Temer: o Capitalismo Inacabado" (Editora Migalhas), Francisco Petros, advogado e economista com mais de duas décadas de experiência no mercado de capitais, reuniu uma série de ensaios sobre a dificuldade de a classe política conduzir o país a algum desenvolvimento econômico e progresso social.
O autor defende a tese de que o capitalismo é necessariamente inclusivo. Mesmo Karl Marx (1818-1883), segundo ele, entendeu que o incremento da produtividade era um fator inclusivo ao passo que a distribuição dos lucros era excludente. Mas, no Brasil, o desenvolvimento capitalista está marcado pela exclusão de classes e, na avaliação de Petros, mesmo sob Lula, o país padeceu dessa falha. "No curto prazo a derrocada do PT demonstrou que mesmo o partido mais orgânico da história política brasileira caiu na cilada e na tentação do alinhamento aos interesses oligárquicos e concentradores de renda."
Para Petros, o governo do ex-presidente Lula foi notável do ponto de vista antropológico, mas deixou de promover reformas sociais e foi arcaico no campo político, aliando-se às antigas oligarquias. Na entrevista a seguir, ele busca em Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) a inspiração para o que chama de "Lula cordial".
Valor: Como o senhor define o "Lula cordial"?
Francisco Petros: O presidente foi a representação completa do homem público que não tem claro discernimento entre o público e o privado e que age com o coração em relação aos grupos sociopolíticos que o rodeiam. Sérgio Buarque de Holanda certamente veria em Lula o personagem antropológico que construiu.
Valor: Lula não representou um governo de esquerda?
Petros: Lula foi uma figura política única, que tinha todas as condições de mediar as relações econômicas e modernizar o capitalismo brasileiro. De fato, pouco preocupou-se com reformas estruturais transformadoras. Suas reformas acabaram servindo ao tradicional projeto econômico concentrador de renda num contexto de "bônus externo", a valorização secular dos preços das commodities. A política de integração não passou de um conjunto de medidas que aumentou o consumo das classes mais pobres sem que essas ingressassem num novo contexto de renda e desenvolvimento.
Valor: O senhor acha que Lula, ao assumir em 2003, foi neoliberal como Fernando Henrique Cardoso?
Petros: Tanto Lula quanto FHC são parte de um todo neoliberal que prevalece no mundo. Não é exclusividade do Brasil. O neoliberalismo implicou a desmontagem calculada do "welfare state" pós-Segunda Guerra e foi responsável pela razoável distribuição de renda nos países centrais do capitalismo. Essa desmontagem estatal ocorreu num contexto em que a taxa de retorno do capital caiu sistematicamente, ao mesmo tempo em que a riqueza concentrada aumentou. Os bens "não capital" nunca estiveram tão caros, enquanto o investimento e o consumo patinam no mundo. Nesse contexto, Lula e FHC reforçaram a tendência estrutural desse processo.
Valor: Mas Lula não teve sucesso ao deixar o governo com o país crescendo 7,5%, em 2010?
Petros: O sucesso político-eleitoral de Lula espelhou à sua eficiente navegação pelas ondas do "bônus externo" e pela absorção momentânea de todos os fatores favoráveis da conjuntura de então por parte do "presidente cordial". Lula não foi um instrumento de transformação, mas o sucesso de um cenário continuamente arcaico e atrasado.
Valor: Acredita que Dilma Rousseff tentou dar uma guinada à esquerda?
Petros: Dilma simbolizou a velha e atrasada esquerda latino-americana, com ares de analfabetismo econômico. É uma das mais trágicas figuras políticas da histórica brasileira. Não tinha preparo pessoal e político para o exercício da Presidência. A vitória eleitoral a tornou crente de que ela tinha densidade política própria, o que foi um autoengano. Dilma errou na escola primária da administração econômica. É analfabeta econômica.
Valor: O que Michel Temer pode alcançar?
Petros: Temer pode levar o país a um porto mais seguro do que Dilma. Não é pouco, mas é insuficiente para que o desencanto com o país acabe. Mas falta ao atual presidente o cabedal mínimo, em termos políticos e econômicos, para retirar a sensação de que o Brasil não tem jeito. Temer é a representação de nosso fracasso enquanto país incapaz de construir uma saída política que renove as estruturas. Governa tentando agradar ao capital, mas, diante da sucumbência das políticas, não abre novas alternativas. Traz estabilidade aparente, mas não é capaz de fomentar alterações essenciais ao curso da economia e das políticas sociais. Temer tem legitimidade formal para governar, mas falta-lhe legitimidade política que seja materialmente relevante.
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