Após mergulhar 1,5% na Ásia, o euro se recuperou surpreendentemente frente ao dólar na Europa, ontem, frustrando momentaneamente as previsões de uma reação turbulenta à rejeição do pacote de reformas constitucionais proposto pelo governo do primeiro-ministro italiano Matteo Renzi no referendo realizado no domingo. Isso não significa, no entanto, que a calmaria vai predominar. Na verdade, as ações dos bancos italianos, do Banca Monte dei Paschi di Siena, um dos mais vulneráveis da Europa, ao importante UniCredit, oscilaram bastante.
O resultado do referendo italiano preocupa mais por seus desdobramentos do que pela rejeição em si. O pacote proposto por Renzi e pouco entendido pela população, de acordo com a imprensa italiana, pretendia ser a reforma mais ampla da Constituição, alterando 40 de seus artigos. Mas Renzi exagerou na autoconfiança e acabou vinculando o sim no referendo a uma aprovação a seu governo. A rejeição obrigou-o a pedir demissão.
Receia-se que o presidente Sergio Mattarella convoque novas eleições. O próprio Renzi poderia se recandidatar, mas o resultado do referendo, em que as reformas foram rejeitadas por 59% a 41%, não lhe dá muitas chances. Ele foi eleito em 2014 prometendo a recuperação da Itália, que está em retração desde 2009. O país se beneficiou da política monetária expansionista do Banco Central Europeu (BCE). Mas, recentemente, o Banco Central italiano reduziu a previsão de crescimento do PIB neste ano de 1,2% para 0,8%; e a de 2017, de 1,2% para 0,6%, em função do contexto internacional, da redução do comércio e do aumento do petróleo. O desemprego está ao redor de 11% e chega a 27% entre os jovens. Um ponto extremamente vulnerável é a dívida pública que ronda os 133% do PIB.
Certamente Renzi competiria com candidatos que surfam a atual onda populista, com os partidários da saída da zona do euro e com a direita. Entre os nomes da cena política italiana candidatos a disputar o posto de primeiro-ministro estão Matteo Salviani, da Liga Norte, da extrema direita. Outro é Beppe Grillo, ex-humorista, que fundou em 2009 o Movimento 5 Estrelas (M5S), frequentemente comparado a Donald Trump, considerado populista, com um discurso contra o euro, contra a corrupção e capaz de propor um "Italexit".
Por conta dessas possibilidades, o risco político ganha espaço entre os investidores, apesar de a Áustria ter rechaçado o candidato da extrema direita nas eleições presidenciais ocorridas também no domingo, escolhendo o candidato independente verde Alexander Van der Bellen. De imediato, ameaça o progresso dos esforços de capitalização dos bancos italianos.
O caso mais complicado é o da Banca Monte del Paschi di Siena, o mais antigo banco em atividade no mundo, que precisa de uma recapitalização de € 5 bilhões até o fim do ano. Os advisors da operação passaram o dia de ontem tentando com o ministro das Finanças, Pier Carlo Padoan, convencer os investidores a participar da operação. As ações do banco caíram 86% no último ano e seu valor de mercado está ao redor de € 570 milhões. A instituição torrou € 8 bilhões em fundos nos últimos quatro anos.
O desastre vem sendo antecipado há bastante tempo, mas o que mais preocupa é um eventual efeito dominó. A Itália tem cerca de 460 bancos, muitos deles pequenos, que somam 18% dos ativos do sistema financeiro italiano. Apenas 17 têm ativos acima de € 5 bilhões. Outros tentam uma recapitalização. O UniCredit, maior banco italiano, busca captar € 13 bilhões. Os bancos médios Carige, Banca Popolare di Vicenza e a Veneto Banca brigam por € 3,5 bilhões.
A tarefa não é fácil. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), no fim do ano passado, os bancos italianos reuniam € 360 bilhões em empréstimos problemáticos, equivalentes a uma taxa de inadimplência de quase 18%, o mesmo patamar do auge da crise internacional de 2008. Como os juros são baixos, a rentabilidade sobre o patrimônio fica ligeiramente acima de 3%. Estão nos bancos italianos cerca de 40% dos empréstimos problemáticos de toda zona do euro.
A crise política na Itália e no seu sistema financeiro joga mais lenha na fogueira da instabilidade que afeta os mercados internacionais desde a eleição de Trump para a presidência dos Estados Unidos, e complica a vida dos emergentes como o Brasil.
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