• Supremo afasta presidente do Senado, e petista ficará no comando
Decisão surpreende aliados e adversários do senador; preocupação do Planalto é que agenda econômica seja prejudicada por uma reviravolta política na condução dos trabalhos da Casa
Em tempos de crise entre Legislativo e Judiciário e um dia após as manifestações contra corrupção pelo país, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, afastou ontem do cargo, por liminar, o presidente do Senado, Renan Calheiros. A tese do ministro é a de que quem é réu, como Renan, não pode assumir cargo na linha sucessória da Presidência da República. A decisão surpreendeu aliados e adversários do senador. O Planalto mostrou especial preocupação com o destino da proposta que estabelece teto para os gastos públicos, com votação marcada para a próxima terça. Renan, que se recusou a receber a notificação do afastamento, será substituído hoje pelo petista Jorge Viana.
Renan cai; votações em risco
• Liminar do STF tira peemedebista da presidência do Senado; teto de gastos pode sair da pauta
Simone Iglesias, Maria Lima, Bárbara Nascimento e Manoel Ventura* - O Globo
-BRASÍLIA- O afastamento de Renan Calheiros (PMDBAL) da presidência do Senado por decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello deixou o Palácio do Planalto apreensivo. O governo esperava finalizar a aprovação da PEC do teto de gastos na próxima terça-feira e teme que o calendário possa ser alterado com a entrada do petista Jorge Viana (AC) na presidência interina da Casa. A decisão acontece após dias de turbulenta relação entre o Judiciário e o Legislativo, deflagrada pela aprovação de um pacote anticorrupção na Câmara que desfigurou medidas apresentadas pelo Ministério Público.
O Planalto não se manifestou sobre a decisão, mas, quando a notícia chegou ao centro do poder, o clima de apreensão se instalou. Um interlocutor do presidente Michel Temer disse que a votação da PEC passou a ser “uma incógnita”. Para evitar que o projeto não seja pautado, Temer deverá pedir aos senadores Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Congresso, e Eunício Oliveira (PMDB-CE), líder do partido no Senado, que conversem com Viana para ver o que ele pretende fazer. Temer ficou sabendo do afastamento de Renan após a reunião com líderes aliados para apresentar a reforma da Previdência.
Oficialmente, o governo está tratando com naturalidade a agenda de votações no Congresso. Jucá afirmou que, independentemente de quem estiver presidindo o Senado, a PEC do teto será votada porque há acordo dos líderes.
— O senador Jorge Viana é íntegro, trabalhador e comprometido com o país. Se o presidente Renan não presidir e ele assumir, não haverá diferença na condução. Temos um acordo assinado dos líderes. E isso vai ser mantido — afirmou Romero Jucá.
Renan se recusou a receber a notificação de seu afastamento ontem à noite, e o oficial do STF que foi fazer a entrega deixou a residência da presidência do Senado com os papéis na mão. Antes do episódio, em nota, Renan avisou que só se manifestaria depois de conhecer os termos da decisão. “O senador consultará seus advogados acerca das medidas adequadas em face da decisão contra o Senado Federal. O senador Renan Calheiros lembra que o Senado nunca foi ouvido na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental e o julgamento não se concluiu”, dizia a nota.
A decisão do ministro Marco Aurélio atendeu a um pedido feito pela Rede, que alegava já haver uma maioria firmada no STF a favor da tese de que quem é réu não pode fazer parte da linha de sucessão do presidente da República. A decisão do plenário do Supremo sobre o tema foi adiada, depois de pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Na ausência do presidente e do vice, os substitutos são os presidentes da Câmara,
Motivo. Renan foi afastado da presidência do Senado por ter se tornado réu e integrar a linha sucessória da Presidência da República do Senado e do STF, nessa ordem. Na semana passada, o tribunal aceitou denúncia contra Renan, que foi transformado em réu em uma ação penal por peculato — desviar bem público em proveito particular.
A decisão precisa ser confirmada pelo plenário do STF, e o caso já pode ir a julgamento esta semana. Marco Aurélio explicou que não afastou Renan do mandato de senador, apenas da presidência do Senado.
Ainda atordoados com a decisão do afastamento do presidente do Senado, líderes do PT e da oposição se manifestaram pela revisão do calendário de votações de matérias polêmicas pelo presidente interino Jorge Viana. As duas votações mais importantes são o projeto de abuso de autoridade, previsto para ser votado hoje, e o segundo turno da PEC 55, que limita gastos no setor público, essencial para o ajuste fiscal do governo.
OPOSIÇÃO QUER MUDAR CALENDÁRIO
Exaltado, o líder da minoria, Lindbergh Farias (PT-RJ), avisou que a oposição vai apresentar requerimento pedindo que Viana paralise a PEC do teto, chamada por eles de “PEC da morte”.
— O Senado vai ter, sim, que mexer com sua pauta. Não pode votar essa PEC de jeito nenhum — declarou Lindbergh logo após o anúncio do afastamento.
Diferentemente do tom incisivo de Lindbergh, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), adotou tom bem mais cauteloso, após reunião da bancada com Jorge Viana. Tanto ele quanto Viana continuaram a chamar Renan de “presidente”; o líder petista afirmou que Renan Calheiros vai recorrer da decisão de Marco Aurélio Mello, o que gerou na bancada a adoção de um discurso bem mais leve do que o usado mais cedo.
Demonstrando a mesma cautela, Jorge Viana confirmou que qualquer decisão só terá tomada após a reunião da Mesa Diretora do Senado, marcada para hoje e que deverá contar com a participação de Renan:
— Não posso e não devo ter ideia (do que fazer), é uma situação muito grave, uma crise institucional gravíssima que o país está vivendo, e acho que temos que esperar, amanhã (hoje) a Mesa vai se reunir e vamos ver o que fazer.
O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP), disse esperar que Viana mantenha a votação da PEC do teto:
— O acordo da PEC do teto não pode ser derrubado de jeito nenhum. Todos os líderes acordaram a instituição do regime especial de votação, não tem como mudar. O senador Jorge Viana é um homem correto. Não usaria essa interinidade para mudar uma regra preestabelecida — disse Aloysio Nunes.
Na base, os líderes buscaram mostrar tranquilidade quanto à manutenção do calendário da PEC 55, mas concordam com a oposição que dificilmente será votado hoje o projeto de abuso de autoridade.
— Se já não tinha clima para votar isso antes, obviamente agora ficou muito mais difícil — afirmou Humberto Costa.
— Independente desse fato, a votação da lei de abuso deve ser postergada e enviada para discussão nas comissões — disse Aloysio Nunes.
Um dia depois das manifestações pelo país em apoio à Operação Lava-Jato e contra o projeto de abuso de autoridade — cujo alvo preferencial foi Renan —, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) apresentou uma nova versão do relatório ao projeto, contemplando parte da emenda apresentada pelo juiz Sérgio Moro. Requião acaba com o chamado crime de hermenêutica, pelo qual, dependendo da interpretação da aplicação da lei, o juiz poderia ser processado e afastado.
— Eu trabalhei a emenda Moro, evitei a hermenêutica, mas não dou licença para tirar tudo, aí era melhor retirar o projeto. O Moro tem razão, seria um absurdo. Qualquer juizinho poderia ser vítima de um habeas corpus e seria processado por um crime que não cometeu. O relatório está porreta, vai dar segurança aos juízes — afirmou Requião.
Moro disse ontem que o relatório de Requião “é um avanço em relação ao anterior”, mas lamentou que sua sugestão para o texto não tenha sido acolhida. Moro classificou como “confusa” a redação do trecho que fala sobre eventuais crimes durante interpretação da lei.
— Aparentemente, o magistrado será obrigado à interpretação literal da lei, o que, do ponto de vista da interpretação do Direito, que comporta vários métodos de interpretação, não é minimamente correto. Não tem o legislador como restringir o juiz a um método de interpretação — afirmou. (Colaboraram Thiago Herdy e Leticia Fernandes; *estagiário sob supervisão de Francisco Leali)
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