Crédito para habitação e melhoria regulatória estão entre opções. Mercado quer mudanças com Meirelles
O pacote para reativar a economia terá medidas pontuais, na área regulatória e de crédito para habitação. O ministro Henrique Meirelles, que sofre pressão dentro do governo por ações para reativar a economia, disse ontem que não vê uma “fritura” do seu nome. No mercado financeiro, crescem as pressões por corte maior dos juros. Mas analistas defendem que as mudanças sejam feitas pela atual equipe.
Sem saída mágica da crise
• Governo prepara pacote contra recessão, mas analistas veem pouca margem de manobra
Gabriela Valente, Geralda Doca, Ana Paula Ribeiro, João Sorima Neto, Roberta Scrivano, Juliana Garçon, Marcello Corrêa - O Globo
-BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO- Pressionado por aliados a adotar medidas que façam a atividade reagir, o presidente Michel Temer quer que a equipe econômica apresente ações rápidas, que dispensem aval do Congresso. O foco, segundo interlocutores do governo, é fazer um pente-fino na área regulatória para tirar entraves dos investimentos, usar bancos públicos para liderarem renegociação de dívidas e direcionar crédito para áreas em que ainda há demanda reprimida, como a habitação. Para economistas, no entanto, a avaliação é que o governo tem pouca margem de manobra para estimular o crescimento no curto prazo. A medida mais imediata seria o corte maior dos juros, apontam os analistas.
A estratégia de elaborar um minipacote de dez medidas contra a crise — anunciada anteontem por Temer em entrevista ao colunista do GLOBO Jorge Bastos Moreno — foi confirmada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Após participar de evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ontem, ele negou que esteja sendo “fritado”.
— Não tenho visto isso (estar sendo fritado). Estamos em um processo de discussão sobre o que precisamos fazer (para que a retomada ocorra) — disse o ministro, que prometeu à plateia de empresários a recuperação da economia: — Com as medidas que estamos tomando, o Brasil saiu da UTI. Ainda não está andando rápido, mas está em processo de recuperação.
O ministro interino do Planejamento, Dyogo Oliveira, afirmou que o governo não está preparando o pacote para estimular crescimento, mas, sim, dando continuidade a medidas para dar eficiência à atividade econômica. Entre elas, citou desregulamentação de investimentos em petróleo, arrendamento de portos e concessões de aeroportos:
— O que temos é uma ação de governo, que já implementou várias medidas e que continuará atuando desta maneira, trazendo propostas e ações que abrem espaço para o desenvolvimento da economia e para ganhos de eficiência. Desta maneira, teremos retomada do crescimento — disse ontem, após participar de evento do IBGE.
Há, no entanto, muita insatisfação na base aliada com a anemia da economia e a aposta excessiva da Fazenda em medidas fiscais de difícil negociação com o Congresso e efeitos a longo prazo. O cardápio curto de opções é alvo de críticas também de economistas influentes, como o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, ligado aos tucanos, e de setores do empresariado, como a própria Fiesp.
No mercado financeiro, também há pressões por mudanças na política econômica. Mas analistas dizem que essa reação tem que ser feita com a atual equipe.
— Mexer na equipe econômica seria dar um tiro no pé. A equipe econômica é competente. Não tem alternativa a ela — disse Maurício Pedrosa, sócio da Pedrosa Consultoria.
As expectativas do mercado pioraram. Ontem, o boletim Focus, divulgado semanalmente pelo BC, mostrou que os analistas reduziram pela sétima vez as projeções para o PIB em 2017. Agora, esperam alta de apenas 0,8%, ante 0,98% na semana passada. A previsão para este ano é de retração de 3,43%.
Segundo fontes do governo, uma das medidas em estudo para melhorar esse cenário é recorrer ao FGTS para liberar recursos para reativar obras que estão paradas, principalmente do programa Minha Casa Minha Vida. Para estimular a venda, o valor dos imóveis deve ser melhorado. O teto vai subir de R$ 90 mil para R$ 225 mil em 108 municípios.
Outra orientação é tirar do papel a regulamentação que vai permitir que trabalhadores do setor privado ofereçam o saldo do FGTS como garantia no crédito consignado. Isso já é lei, mas o Conselho Curador do Fundo tem de definir as taxas de juros. A ideia é fixar o limite em 3,5% ao ano, o que equivale a 1,5 vez o percentual cobrado dos aposentados do INSS. Essa medida pode ajudar os trabalhadores a substituir dívidas mais altas no curto prazo.
A equipe econômica vai ainda fazer um pente-fino em regras regulatórias para melhorar o ambiente de negócios. Uma proposta é garantir autonomia técnica e financeira às agências reguladoras, acelerar as concessões de infraestrutura, regulamentar a terceirização e a valorização da negociação coletiva.
Também faz parte do pacote a edição de medida provisória (MP) tornando definitivo o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que permite redução de jornada e salário, com contrapartida da União. O prazo para adesão terminaria este mês.
O governo não tem como lançar mão dos bancos públicos como no passado. Mas a equipe econômica quer oxigenar o caixa das empresas. Por isso, a ideia é aumentar o protagonismo do Banco do Brasil e da Caixa na renegociação de dívidas das empresas. Os bancos públicos já têm uma atuação relevante nisso. O BB, por exemplo, está à frente das conversas com a Oi. Outra forma de o governo usar os bancos públicos é não mexer nos subsídios.
Sócio da consultoria Opus e professor da PUC Rio, o economista José Marcio Camargo é um dos que veem pouco espaço de manobra para impulsionar crescimento econômico no curto prazo:
— Não há muita alternativa. É preciso avançar no ajuste fiscal e na reforma da Previdência. Estamos saindo de uma bolha de crédito, em que empresas e famílias se endividaram muito. Não há espaço para uma política fiscal, porque temos um déficit de R$ 170 bilhões e uma relação dívida/PIB de 70%.
Para Maurício Canêdo, economista da FGV, é difícil conciliar a agenda macroeconômica com medidas que considera importante, como a redução da burocracia — agenda antiga dos empresários:
— O problema da desorganização macroeconômica é que é tão demandante que se dedica toda a energia para resolver esses problemas, e outras medidas ficam de lado.
“GOVERNO ACREDITOU NA ‘FADA DA CONFIANÇA’”
Se é difícil tirar reformas estruturais do papel, muitos especialistas recomendam uma ação que pode ser tomada imediatamente: cortar juros. Embora o BC tenha começado a reduzir a taxa básica, a avaliação de especialistas é que a autoridade monetária poderia ser mais ousada, o que aliviaria os custos de financiamento das empresas.
O risco desse movimento seria o descontrole da inflação. O perigo poderia ser afastado caso o ajuste fiscal avançasse. Por isso, já há quem defenda ações para reequilibrar as contas públicas mais rapidamente, como redução de desonerações e até aumento de impostos, caso de Arminio Fraga, em entrevista recente ao “Valor Econômico”.
Para Antonio Madeira, economista da LCA Consultores, a redução de juros deve ser imediata:
— Há alto endividamento nas empresas e isso vai atrapalhar na recuperação da economia.
Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP e sócio-diretor da Macro Sector, também defende o alívio monetário. Para ele, o governo falhou ao apostar que a sinalização de reformas fiscais animaria o mercado a ponto de alavancar investimentos.
— Essa história não funciona. É o que o (Paul) Krugman (prêmio Nobel de Economia) chama de acreditar na fada da confiança — critica.
Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, admite que o BC poderia ser mais ousado na redução de juros, mas avalia que essa não é a maior preocupação:
— Esse caminho (corte de juros) acho que vai ser trilhado. O que está muito aquém é essa agenda microeconômica. Não existe bala de prata, é uma agenda de várias iniciativas. Um ponto importante é fortalecer as garantias no mercado de crédito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário