- Valor Econômico
• Temer deixou ir muito longe a fritura de Meirelles
A Fundação Ulysses Guimarães decidiu adiar o seminário de comemoração de um ano do lançamento do programa "Uma Ponte para o Futuro", a carta-compromisso em torno da qual o PMDB costurou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O aniversário foi em 29 de outubro, o evento estava marcado para o dia 14 mas caiu diante da fritura e do disse-me-disse sobre a saída do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
O seminário estava de pé até o meio da tarde de ontem. Até então, a única baixa era o economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, um dos VIPs convidados para uma manhã de debate na fundação, que é presidida pelo secretário do Programas de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, um dos mais próximos auxiliares do presidente Michel Temer.
Fraga foi convidado, aceitou mas depois cancelou sua participação. Primeiro a se manifestar sobre a necessidade de o governo aprofundar o ajuste fiscal de curto prazo e até aumentar imposto, o ex-presidente do Banco Central se deu conta da confusão armada a seu redor. Os outros convidados eram o economista Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, ligado ao PSDB como Arminio, Marcos Lisboa, também com trânsito bom entre os tucanos, e Afonso Celso Pastore, ex-presidente do BC.
"Muita futrica", justificou Moreira a um interlocutor.
A fritura do ministro Meirelles expõe um mal-estar nas relações do governo com o PSDB, mas também o fato de que não são apenas os tucanos que têm críticas à política econômica. O presidente decidiu blindar o ministro da Fazenda, a pedido do próprio Meirelles, segundo apurou o Valor, mas ao mesmo tempo se diz aberto a sugestões do PSDB. É o estilo Temer de fazer política, de muita conversa mas visto por alguns aliados como sinal de uma personalidade vacilante. O presidente passou a manhã de ontem fazendo afagos em aliados.
Temer anda no ritmo do Congresso, onde chegou há 30 anos como constituinte. Um ritmo que causa impaciência até no governo. O presidente está na vida pública há mais de 40 anos, e uma coisa é certa: aprendeu a engolir desaforo. Ele diz que vai ouvir o PSDB mas reprova seu comportamento quando o partido aliado elogia por dentro (nas conversas com Temer) e faz críticas para fora.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é um dos avalistas de seu governo, mas a crítica de FHC dói mais que a da oposição. Poucas coisas deixaram o presidente mais chateado, nesses dias de crise, que FHC dizer que ele "não conhece o Brasil". Magoou. Mais que o ex-presidente dizer e repetir que seu governo é uma "pinguela" rumo a 2018. Neste caso, mais chateado ficou Moreira Franco, amigo de FHC e autor do "Ponte para o Futuro", reduzido à condição de uma frágil pinguela, em apenas uma frase. "É o que temos", como gosta de dizer Fernando Henrique. O PSDB, protagonista em 2018, quer chegar à sucessão com um governo em ordem.
Temer costuma dizer que não vai fazer com Henrique Meirelles o que Dilma Rousseff fez com o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy: não vai deixar que ele seja fritado pela base aliada nem assumir ele próprio a condição de ministro da Fazenda.
O que se fala no Palácio do Planalto é que o governo tem um programa econômico e que Meirelles lidera uma equipe de alta categoria acadêmica e técnica. O ajuste é a prioridade. Nunca se disse que seria fácil e rápido. Deve-se esperar alguma resposta da inflação, mas o ajuste envolve também um problema cultural, é de resposta mais lenta.
Temer também tem repetido que não vai se sentir acuado com qualquer tipo de pressão - e está é a palavra certa - decorrentes das dificuldades provocadas pelo grande desastre fiscal que foi o governo Dilma. O presidente admite tomar medidas de microcrédito para estimular a atividade econômica, conforme disse ao repórter Jorge Bastos Moreno, de "O Globo", mas "sem pirotecnia", segundo seus auxiliares.
Por "pirotecnia" entenda-se medidas destinadas a aumentar o consumo ou para estimular o endividamento, conforme feito nos governos Lula e Dilma.
A turma que mais quer pirotecnia, a propósito, não está entre os tucanos, mas ao redor de Michel Temer. Gente como Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo e primeiro ministro do Planejamento de Temer, abatido por conspirar contra a Operação Lava-Jato (outra contradição, aliás, inata do governo Temer), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mais um aliado até o pescoço enrolado na Lava-Jato, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Temer pode não querer fazer o que Dilma fez com Levy, mas o PMDB repete exatamente o mesmo roteiro.
O PMDB, por seu turno, é porta-voz dos grandes interesses empresariais. Na avaliação feita pelo governo o empresariado está descontente porque não tem crédito. Por temor, o BNDES fechou as torneiras diante da situação que recebeu do governo passado. As exigências ficaram até mais severas e duras que na iniciativa privada. Endividadas, há empresas que já fizeram mais de uma negociação. Está tudo fechado. Não é à toa que a presença da presidente do banco, Maria Silvia, foi reclamada para uma eventual conversa de Arminio com Temer.
A crítica do PSDB não pede mais gastos mas vai além do discurso do governo: aprofundar o ajuste fiscal de curto prazo e, se for preciso, criar ou aumentar impostos. O "se for preciso" foi incorporado ao núcleo do governo Temer, coisa que antes era esconjurada.
A confusão que tirou Arminio do seminário do PMDB e levou Moreira a cancelá-lo ainda não está arrumada. Na sexta-feira o Palácio do Planalto dizia que o ministro Dyogo Oliveira (Planejamento) seria confirmado no cargo, uma das medidas para blindar Meirelles. Ocorre que Dyogo (ligado a Romero Jucá) é pouco para servir de blindagem de Meirelles. Agora afirma-se que um tucano pode ocupar o lugar, mas teria que ser um "técnico", não um "político" como Tasso Jereissati (PSDB-CE), um "tucanão".
Temer deixou ir muito longe a fritura de Meirelles. É briga de cachorro grande. O PSDB está no mesmo barco mas quer ampliar o espaço no governo. E haverá vencedores e perdedores.
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