- O Estado de S. Paulo
Parece que o ano começa hoje. O “parece” aí atrás é cautela. Ontem, em plena Quaresma, ainda havia foliões tomando, em mais de um sentido, ruas de… São Paulo. É, de túmulo do samba a revelação do carnaval. Algum “pundit” vai culpar a crise: “beber para esquecer”, “quem dança dança”, essas coisas. Ou será uma reedição do baile da Ilha Fiscal, a última esbórnia do Império? Vai ver é o aquecimento global acordando brasas nas cinzas.
Mais do que um prenúncio de mudança política ou climática, é provável que se trate apenas de outra amostra do espírito momesco. Aquele hábito de não se levar a sério e de fazer piada das próprias mazelas. Quer uma prova alegórico-estatística?
O Google Trends tem se mostrado um termômetro acurado da disposição do brasileiro de ir às ruas protestar. Por uma razão simples: se alguém quer saber se outros vão sair gritando e onde se encontrarão os manifestantes, é muito comum que digite “protesto” ou “manifestação” no Google para achar sua resposta.
Computando os bilhões de requisições ao seu sistema, o Google transforma os termos digitados pelos usuários em um gráfico com a tendência histórica de buscas por aquela palavra. Um ser mais curioso pode comparar o interesse popular por termos afins (“Dilma” e “impeachment”, por exemplo), filtrar as pesquisas feitas a partir de um país ou em um período de tempo específico.
O primeiro pico dos termos de busca “manifestação” e “protesto” no Brasil foi registrado em junho de 2013, quando jovens inundaram as ruas de centenas de cidades para protestar contra o preço do ônibus e, depois, contra tudo e contra todos. Desde então, nenhuma demonstração pública de insatisfação chegou nem a um quarto do volume de buscas por tais palavras no Google.
Mais importante, o tamanho das multidões nas ruas tem sido proporcional à quantidade de pesquisas por “manifestação” e “protesto”. Em 2015, por exemplo, as buscas por ambas as palavras em meados de março - quando houve a primeira e maior demonstração pelo impeachment de Dilma Rousseff - foram quase três vezes maiores do que as detectadas em agosto, quando muito menos gente saiu de casa. Em novembro, pouco se viu “protesto” e “manifestação” - seja no Google Trends, seja nas ruas.
Constatada essa correlação, a ferramenta tornou-se inestimável para medir o humor da opinião pública e tentar prever o comportamento da população em relação aos governantes.
Por isso, foi instigante constatar o aumento repentino de buscas pela palavra “protesto” a partir de 6 de fevereiro. Será que os movimentos anti-Dilma preparavam uma surpresa contra o governo no início do ano legislativo? O que explicaria o crescimento atípico de pesquisas por essa palavra em pleno carnaval?
Era duplamente curioso, porque, ao contrário de todos os outros picos, as pesquisas por “manifestação”, pela primeira vez, não acompanharam a inflexão na curva da palavra coirmã.
Bastou limitar as buscas às feitas só nos últimos sete dias e espiar as pesquisas relacionadas para resolver o mistério. Não, a multidão enfurecida não assaria as emas do Palácio da Alvorada. Foi só uma momice. A peladona conhecida como “musa do impeachment” resolveu tirar a roupa no meio do desfile de carnaval para mostrar seu tapa-sexo anti-Dilma. Foi empurrada para fora do sambódromo por integrantes da própria escola.
A ascensão - e queda - das buscas por “protesto” foi fruto da velha curiosidade por baixarias carnavalescas. Antes, compravam revistas para vê-las nuas e cruas. Agora, buscam na internet.
Uma dica: ao pesquisar por “protesto” no Google Trends, exclua dos resultados aqueles em que aparece “cartório” (coloque um sinal de menos na frente dessa última palavra, ao fazer a pesquisa). No dia a dia, cartórios de protesto são mais populares do que manifestações no Brasil. É a crise.
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