Operação enfrenta dilema da Banestado, que viu reús ficarem impunes
Thiago Herdy | O Globo
CURITIBA - Informações dos depoimentos de 77 executivos da Odebrecht que fizeram acordo de colaboração premiada com o Ministério Público serão distribuídas a promotores e procuradores de todo o Brasil, colocando a Lava-Jato, na opinião de promotores, frente ao mesmo problema que viveu há 10 anos: no auge da operação Banestado — que desvendou um esquema bilionário de evasão de divisas para paraísos fiscais — processos envolvendo centenas de beneficiários e doleiros foram distribuídos pelo país, pois Curitiba não dava conta de processar todos os casos. O resultado foi trágico: a maior parte dos processos prescreveu e réus ficaram impunes.
Procurador que atuou tanto na Banestado quanto na LavaJato, Carlos Fernando dos Santos Lima torce para que o rumo dos processos seja outro:
— Estamos em um momento diferente, a conscientização é maior. Seguindo o exemplo dos 50 procuradores (que ouviram executivos da Odebrecht), temos a sensação de que hoje a Lava-Jato pertence ao Ministério Público Federal, e não a Curitiba — afirma.
Integrantes do esquema investigado pela operação Banestado usavam contas CC5 — específicas para transações de câmbio — do Banco do Estado do Paraná, que emprestou o nome à operação de combate à corrupção. A ação do Ministério Público Federal (MPF) ocorreu entre 2003 e 2007 e resultou em 687 denúncias, bloqueio de US$ 17,3 milhões e 18 acordos de delação premiada. A decisão de distribuir os casos pelo Brasil ocorreu depois da principal fase da operação, a Farol da Colina.
— A Banestado foi a maior operação do país durante muito tempo e era completamente inovadora. Mas não tínhamos o mesmo conhecimento de hoje. Na época, decidimos dividir o feito, o que gerou a sensação de que estávamos tentando empurrar o serviço. Mas era impossível fazer aquilo em Curitiba. Infelizmente, na época não houve uma coordenação — afirma Lima.
No entendimento dos procuradores que participaram da ação, no fim das contas, os únicos punidos foram aqueles que fizeram acordo de colaboração e receberam antecipação de pena. Processos em todo Brasil foram extintos por prescrição processual.
Para obter um acordo de colaboração com a Lava-Jato, 77 executivos da Odebrecht relataram ao MPF 256 fatos ou condutas irregulares. Cada uma delas deve se desdobrar em investigações sobre pagamento de propina no Brasil, em nível federal, estadual e municipal.
Cerca de 900 depoimentos foram prestados pela empresa a procuradores de vários estados, para viabilizar a homologação da colaboração pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Agentes públicos de pelo menos nove países também foram delatados pela empresa, que até 2039 pagará parcelas de uma multa que soma quase R$ 7 bilhões.
A investigação de obras realizadas com recursos federais devem ficar sob responsabilidade do MPF; o caso de pagamento de propina em obras estaduais podem ficar com os Ministérios Públicos locais.
Para o representante no Brasil da ONG Transparência Internacional, Bruno Brandão, o risco de prescrição de processos e impunidade envolvendo acusados de corrupção é problema tanto do Ministério Público quanto da Justiça. Ele lembra que o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu metas para a conclusão de processos de corrupção, e o resultado foi de pouco mais de 50%:
— A Lava-Jato é um ponto fora da curva do desempenho geral tanto para o MP quanto para a Justiça no país. A morosidade ainda é a regra.
Brandão lembra que, até aqui, a Lava-Jato também foi um ponto fora da curva no quesito independência:
— Infelizmente, em muitos estados ainda predominam engavetadores e acordões. Mas a situação pode começar a mudar porque a população assistiu como o sistema pode funcionar em condições mais adequadas, e cobrará que a barra se mantenha nessa altura.
Além dos depoimentos, investigadores devem receber laudos específicos produzidos por peritos que analisam os registros do Setor de Operações Estruturadas, responsável pelo pagamento de propinas pela Odebrecht. Cada operação envolvendo pagamentos no exterior e no Brasil era registrada no sistema, cujo servidor estava abrigado na Suíça.
— Pela quantidade de material e algumas dificuldades técnicas, nem tudo foi entregue. Neste momento a atenção toda é para a cisão (dos depoimentos), não para o que vamos fazer com o material em termos investigativos — afirma Carlos Fernando Lima.
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