A declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a respeito das prisões decretadas no âmbito da Operação Lava Jato causou desconforto em muitos que confiam no bom trabalho da força-tarefa. “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que conflita com a jurisprudência que construímos ao longo desses anos”, disse o ministro.
Embora também haja quem diga ser inconveniente um ministro do STF fazer esse tipo de declaração, assiste razão a Gilmar Mendes quando discorre sobre a necessidade de os tribunais superiores analisarem a conformidade com o bom Direito das ordens de prisão decretadas pelos juízes de primeiro grau. Ele estava tratando, em foro próprio, de assunto pertinente às elevadas funções públicas que ocupa. Mais de uma vez, neste espaço, alertou-se para eventuais abusos que podem surgir no âmbito da Lava Jato e, principalmente, para algumas propostas, feitas por membros do Ministério Público Federal (MPF), que destoavam dos princípios e garantias próprios de um Estado Democrático de Direito.
Observar a possibilidade desses equívocos – possibilidade essa, por sinal, comum a todas as atividades humanas – não significa, porém, desconhecer nem tampouco diminuir os evidentes méritos da Operação Lava Jato e a necessidade de sua mais plena continuidade, atinja quem atingir.
Ainda que seja compreensível que os procuradores que trabalham na força-tarefa não se sintam confortáveis com a ideia de “um antes e um depois” da Lava Jato, a opinião pública considera, majoritariamente, que a operação foi um divisor de águas no combate à impunidade no País.
Trata-se de um trabalho exemplar de investigação que, começando por denúncias numa rede de postos de combustíveis – daí o seu nome –, conseguiu destampar o maior conjunto de casos de corrupção da história do País, envolvendo nada menos que a maior estatal brasileira, as principais empreiteiras e, entre outros, o partido político que estava havia mais de uma década no governo federal.
Além de desvelar uma teia de relações promíscuas entre o público e o privado, com graves interferências no processo eleitoral, a Operação Lava Jato mostrou ao País a possibilidade de uma atuação coordenada, rápida e eficiente entre Polícia Federal e Ministério Público. E, de forma muito diferente ao que a população havia visto em outras investigações de grande apelo nacional, o trabalho investigativo e processual esteve assentado em sólida argumentação jurídica, como amplamente reconhecido pelos tribunais.
Se pairasse alguma dúvida quanto aos bons frutos da Lava Jato, bastaria ir aos números. Segundo dados do MPF, os crimes já denunciados envolvem o pagamento de propina de cerca de R$ 6,4 bilhões e – outra novidade para uma população acostumada à menção de altas cifras nos casos de corrupção, mas ainda estreante em ver o dinheiro desviado voltar aos cofres públicos – R$ 10,1 bilhões são alvo de recuperação por meio de acordos de colaboração. Até dezembro de 2016, num cálculo envolvendo apenas a primeira instância, haviam sido prolatadas 24 sentenças, com 120 condenações.
Diante desse quadro, não há como pôr em dúvida os méritos da Operação Lava Jato. A força-tarefa deu certo. E quem lá no início estava um tanto cético – achando que a investigação ia acabar em pizza, especialmente quando chegasse aos poderosos do mundo da política e do meio empresarial – foi sendo ao longo dos meses convertido, por assim dizer, pelo bom trabalho da Lava Jato.
É dever de todos preservar as condições para que a força-tarefa possa chegar a bom termo, investigando com diligência e denunciando com consistência para que a Justiça possa punir ou absolver com isenção. Não cabe desperdiçar essa chance única de conciliar o Brasil – especialmente a esfera pública – com a lei e a ética. Daí também a razão para ninguém se escandalizar com alertas, quando for o caso, de eventuais equívocos da força-tarefa. O tema é importante demais para ser contaminado por suscetibilidades e preconceitos.
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