domingo, 12 de fevereiro de 2017

Sem eleições internas, partidos abusam de comissões provisórias

TSE exige que legendas mudem forma de escolha de dirigentes

Eduardo Bresciani | O Globo

BRASÍLIA - Quase metade dos diretórios regionais dos maiores partidos brasileiros é comandada por comissões provisórias indicadas pela cúpula nacional das legendas. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que 123 dos 270 diretórios dos dez maiores partidos estão nessa situação. Na semana passada, a Câmara se movimentou para tentar derrubar uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que entra em vigor no próximo mês e fixa um prazo para o funcionamento dessas estruturas como forma de obrigar os partidos a exercer democracia interna e eleger seus dirigentes. O projeto pode ser votado ainda nesta semana e, na terça-feira, o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, recebe os presidentes dos partidos para debater o tema.

O instrumento de comissões provisórias existe para que as direções possam intervir em casos de descumprimento do estatuto ou das diretrizes apontadas pela legenda ou até mesmo para a montagem de estruturas temporárias em caso de fatalidades, como a morte de dirigentes. Os caciques partidários, porém, passaram a usar esse instrumento para impor suas vontades, e o levantamento mostra que há casos de até 10 anos de funcionamento de estruturas “provisórias”.

PROJETO CONTRA PRAZO É DE MINISTRO
Quinto maior partido do país, o PR tem todas as suas seções estaduais sob comando provisório e com duração “indeterminada”, ou seja, sem prazo para eleição. Presidido atualmente pelo deputado amazonense Alfredo Nascimento, o partido é comandado nos bastidores com mão de ferro por Valdemar Costa Neto, ex-deputado que chegou a ser preso no mensalão. O projeto que tenta derrubar a resolução do TSE é do ministro dos Transportes, Maurício Quintella Lessa, filiado ao partido. A legenda tem quatro diretórios regionais com a mesma comissão provisória desde a década passada.

O partido do ministro do Desenvolvimento, Marcos Pereira, o PRB, também tem 100% de seus diretórios estaduais “provisórios”. Dos dez maiores partidos, apenas o PT e PMDB têm todos os seus diretórios regionais eleitos. O PSDB, terceira força em número de deputados federais, possui comissões provisórias em cinco estados e em quatro deles não há prazo para nova eleição. O PSB tem 16 comissões provisórias e o PSD tem 12 e nenhum dos dois partidos fixa prazo para eleições regionais.

PP e DEM têm 11 direções provisórias cada, mas nesse caso em quase todas há um prazo de duração fixado. No PDT, as 12 comissões provisórias têm um prazo para perder a validade.

A resolução do TSE foi aprovada no ano passado, e, por apelo dos partidos, o prazo de vigência foi prorrogado para 3 de março de 2017. O tribunal fixou que as comissões provisórias poderão funcionar por 120 dias ou por um “prazo razoável” que esteja previsto nos estatutos das legendas. Com a resolução, a maior parte dessas direções regionais poderiam ser suspensas, impedidas de lançar candidatos em eleições e de receber repasses do fundo partidário.

O presidente do TSE afirma que ampliar a democracia interna é fundamental para o fortalecimento dos partidos.

— Alguns diretórios são provisórios há muito tempo. Isso dá muito poder para a direção central e uma falta de autenticidade da vida partidária. A direção nacional determina tudo e tem todos os poderes. Desaparecem as convenções. Isso precisa ser discutido se há interesse de vitalizar os partidos — argumenta Gilmar Mendes.

O ministro afirmou haver espaço de negociação para um novo prazo para as legendas ou até uma flexibilização do tempo de duração, mas ressaltou não ser aceitável a manutenção do modelo:

— O problema não é nem rever o prazo. O problema é que boa parte dos partidos não querem prazo algum, querem continuar como está e isso não faz sentido.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sugere como alternativa uma transição que obrigue os partidos a aumentar o número de diretórios permanentes até chegar a um patamar de 80%. Ele ressalta que essa solução deveria vir do Legislativo e não do Judiciário.

— A maioria dos partidos quer aprovar um texto mantendo as comissões provisórias. A minha opinião seria por um crescimento ano a ano da obrigatoriedade das comissões permanentes até chegar a 80%. — afirmou Maia.

Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Flescher, chegou-se à situação atual justamente porque o TSE demorou a agir, e a revogação da resolução seria um retrocesso:

— Se for aprovado o projeto da Câmara isso cai no vazio. Nosso sistema partidário é extremamente fajuto justamente porque o TSE não vinha fazendo seu papel de fiscalizar a atuação dos partidos.

Os partidos que possuem comissões provisórias argumentam que a Constituição lhes dá autonomia para decidir sobre suas estruturas internas e afirmam estar de acordo com a legislação.

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