domingo, 12 de fevereiro de 2017

Debate desimpedido - Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Elio Gaspari, em sua coluna nesta Folha na quarta-feira (8), sugeriu que eu contribuo para interditar o debate de política monetária.

No início de janeiro, André Lara Resende publicou artigo no caderno de fim de semana do "Valor Econômico", sobre a possibilidade de que, no Brasil, a inflação seja elevada porque os juros são altos.

Eu e Marcos Lisboa criticamos André no mesmo caderno na semana seguinte, citando-o. Na semana posterior, no mesmo caderno, André respondeu-nos sem nos citar.

No mesmo caderno, após mais uma semana, Eduardo Loyo apresentou alentado artigo, novamente criticando André, e citando-o também. No Broadcast, Carlos Kawall, citando André, elaborou sobre as limitações da literatura empregada por André para tratar do caso brasileiro.

Há duas semanas neste espaço, escrevi sobre os atalhos em política monetária que de tempos em tempos nos visitam. A heterodoxia proposta por André era um dos itens de uma lista de três. Nesse artigo não citei explicitamente André nem os autores das demais heterodoxias que mencionei.

Elio sugere que teria sido deselegante não citar André. Mas não notou que, no artigo do "Valor" com Marcos Lisboa, citei explicitamente André. Também não notou que André não nos citou explicitamente em sua resposta.

Adicionalmente, Elio escreve que eu patrulho ideologicamente André, além de enxergar paralelo entre a minha forma de tratar o argumento de André e expedientes empregados pela ditadura militar para esconder fatos da população.

No debate em curso, sempre que se discordou de André ele foi citado e seu trabalho foi tratado com profundidade. Basta olhar o debate que ocorreu no "Valor". O mais recente capítulo foi o excelente e claríssimo artigo no "Valor" de sexta (10) de meu colega do Ibre José Júlio Senna.

Para o leitor, que a esta altura do campeonato já deve estar aborrecido com essa fofoca do colunismo econômico, vale informar que o tema tratado por André é bem complexo: os modelos monetários empregados pelos economistas, em razão da maneira como o processo de formação de expectativas é tratado, podem gerar dinâmicas pouco intuitivas, por exemplo, situação em que a inflação é causada pelos juros elevados, e não o contrário.

Apesar de o argumento ser teoricamente interessante, não há nenhuma evidência empírica que o suporte. Nem para o Brasil, como lembrou o professor Affonso Celso Pastore em artigo em 27/1 no jornal "O Estado de S. Paulo", reagindo ao artigo de André (e novamente tendo o citado), nem para a economia americana.

Desde os anos 1970, pelo menos, a academia de economia sabe que qualquer dinâmica pode ser gerada pela teoria. A prova, portanto, é dada pela evidência empírica. Esta tem sido francamente contrária à nova heterodoxia.

Aliás, como indicado pela inflação de janeiro, divulgada na quarta (8), a relação entre inflação e taxa de juros no Brasil é bem ortodoxa: forçamos queda dos juros em 2011 e após algum tempo a inflação subiu, em que pese o represamento de preços administrados. Por outro lado, após seguidos trimestres de uma política monetária apertada, a inflação iniciou forte processo de queda.

Em um ponto todos concordamos com André: se a dinâmica explosiva da dívida pública não for contida, a inflação certamente voltará.
*
Em memória de Luiz Fernando Sá Moreira. Ótima pessoa; colega muito competente. Morreu tentando ajudar o outro.

*É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.

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