sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Trump volta à carga – Editorial | Folha de S. Paulo

Há duas interpretações possíveis para as novas regras destinadas à expulsão de imigrantes ilegais dos EUA, editadas nesta semana pela administração Donald Trump.

Na leitura otimista, o republicano não foi tão longe quanto prometeu na campanha eleitoral. Num exemplo, aqueles que chegaram aos Estados Unidos com menos de 16 e têm hoje até 35 anos —conhecidos como "dreamers" (sonhadores), que falam, pensam e vivem como norte-americanos— serão poupados do programa.

Desta vez, não se recorre a vetos contra nacionalidades específicas, ao contrário do que ocorreu na primeira ofensiva anti-imigratória de Trump, barrada pela Justiça. Anunciou-se, ademais, que as novas diretrizes serão implementadas gradualmente, sem uma blitz imediata contra os ilegais.

Os exercícios de moderação param por aqui. Por um ângulo pessimista, que nada tem de exagerado, a administração ampliou expressivamente as possibilidades de deportação.

Não apenas se leva enorme insegurança a um contingente de 11 milhões de pessoas que já fazem parte da sociedade americana; afrontam-se também valores que sempre nortearam o país.

Até então, a política era deportar os ilegais que tivessem cometido crimes graves ou representassem elevado risco à segurança. Agora, imigrantes indocumentados poderão ser expulsos se acusados —não há necessidade de condenação— de qualquer crime.

Estarão sujeitos à remoção expressa aqueles que não consigam comprovar ao menos dois anos de residência, em qualquer parte do território dos Estados Unidos.

Como as agências federais que lidam com imigração não têm a mão de obra necessária para implementar tais ações, o governo buscará convênios com autoridades locais. Há possibilidade considerável de que milhões de pessoas deixem de cooperar com a polícia, de matricular os filhos nas escolas ou procurar serviços de saúde.

A ideia de que imigrantes representem uma ameaça ao país é mais um dos "fatos alternativos" explorados por Trump na campanha eleitoral e na Casa Branca.

Na maior parte da literatura sobre o tema, indica-se justamente o contrário —que, a despeito de efeitos colaterais localizados (sobre determinados empregos, por exemplo), a contribuição de outros povos e culturas faz parte da pujança econômica e intelectual dos EUA.

Para sustentar um mito da xenofobia, Trump sacrifica princípios como a presunção de inocência e o devido processo legal, fora as oportunidades buscadas por incontáveis famílias. Difícil imaginar algo menos americano.

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