- Folha de S. Paulo
O modelo 2.0 adicionou o crime contra democracia ao crime contra a administração pública
"Abaixo a canaille! Fora todos." No mundo sem nuances da política sectária, a delação da Odebrecht e a nova lista de Janot servem tanto a Jair Bolsonaro quanto a Lula.
Os "salvadores da pátria" simétricos erguem suas candidaturas sobre os escombros do sistema representativo. O primeiro almeja ser visto como um líder puro, ilhado pelo oceano da corrupção. O segundo aposta na normalização da corrupção: ele quer ser visto como tão impuro quanto todos os demais.
Celso de Barros não está só quando classifica como "picaretagem" o "discurso de que havia algo de excepcional na corrupção petista" (Folha, 6/3). Mas está errado.
Em busca de tons de cinza, Alckmin pede que se separe "o joio do trigo". Sua distinção –entre os "que enriqueceram" e "outros casos"– é uma tentativa pouco sutil de caiar a parede do caixa 2.
De fato, caixa 2, em si, não é crime. Contudo, sinaliza uma série de crimes subjacentes: as doações "por fora" quase sempre derivam de fraudes em licitações e superfaturamento de obras públicas. Aprendemos que as quadrilhas de políticos e empresários inovaram, usando o caixa 1 (e, portanto, os tribunais eleitorais) para lavar dinheiro de propina. Mesmo assim, o caixa 2 continua a ser um indício clamoroso de desvio de dinheiro público.
Tudo é "joio" nos campos arados pela corrupção. Política ou juridicamente, não faz sentido separar o político que se apropriou de dinheiro público para construir patrimônio (os "que enriqueceram") do que preferiu usá-lo para financiar sua carreira (os "outros casos"). As duas práticas costumam andar juntas.
E, sobretudo, "o hospital que não foi feito com o dinheiro roubado é o mesmo nos dois casos", como registra Barros. Contudo, há "algo de excepcional" na corrupção 2.0 inaugurada nos governos petistas: neles, adicionou-se o crime contra a democracia ao crime contra a administração pública.
O "Estado-Odebrecht" é a aliança, montada pelo lulopetismo, entre empresas estatais, empreiteiras e bancos públicos para financiar um bloco de poder. As sentenças judiciais do mensalão descreveram, em minúcias, os mecanismos de formação e consolidação da maioria parlamentar governista.
Os processos da Lava Jato revelam a extensão e amplitude do fenômeno. As coalizões políticas articuladas em torno de Lula e Dilma apoiaram-se na redistribuição de dinheiro público para os partidos da base governista.
Os US$ 3,39 bilhões movimentados pelo tal Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht ultrapassam, largamente, os limites da corrupção tradicional. Nas incontáveis reuniões de Marcelo Odebrecht com os dois presidentes, fazia-se planejamento político. Perde-se, além do hospital, a crença nas instituições democráticas.
Há "algo de excepcional" na internacionalização da corrupção. O "Estado Odebrecht" criou redes de corrupção na América Latina e na África, muitas vezes conectadas às ações de marketing político e lavagem de dinheiro de João Santana junto a governos amigos do lulopetismo. Nesse cenário, operando com recursos do Tesouro, o BNDES ajudou a converter o Brasil em agente corruptor.
Será uma vergonha e uma desgraça reinserir a Odebrecht na ordem jurídica, por meio de acordos de leniência.
O PT, apesar de tudo, não é uma quadrilha, pois não deve ser confundido com sua direção eventual. Mas a Odebrecht, sim, é uma quadrilha. Não há solução senão desmantelá-la, em nome da ordem pública e da segurança nacional.
A corrupção 2.0, que ameaça a democracia, nasce da convicção antidemocrática de que um partido é detentor da "verdade histórica". A crença de que os outros são "inimigos do povo", repetida à exaustão por 13 anos, funciona como sua chancela ideológica.
Mas, depois de inventada, a corrupção 2.0 torna-se um artigo disponível para qualquer governo. O maior dos erros seria banalizá-la, como quer Barros.
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