A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de receber a denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) e dois assessores pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro foi ocasião para dois importantes esclarecimentos a respeito das doações eleitorais. Em primeiro lugar, os ministros da Suprema Corte rejeitaram o argumento da defesa de que seria impossível haver crime em razão de se tratar de uma doação oficialmente declarada. O simples registro perante a Justiça eleitoral não gera um atestado absoluto de legalidade. Pode haver propina disfarçada de doação eleitoral, disse o STF, frustrando a pretensão do PT de usar o registro eleitoral como passe livre para tramoias com as estatais e empreiteiras.
O segundo esclarecimento talvez seja, nos tempos atuais, até mais necessário que o primeiro. Ao acolherem a denúncia, os ministros da Segunda Turma do STF deixaram claro que ainda não estavam condenando o senador e seus assessores. Nesse momento do processo, eles apenas verificavam se a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) cumpria os requisitos legais.
“Saber se os acusados tinham conhecimento de que o dinheiro aparentemente por eles solicitado possuía origem ilícita e se, posteriormente, de algum modo participaram ou tiveram conhecimento de um estratagema para recebê-lo por meio de partido político, de modo a poder dar-lhe aparência lícita, empregando-o na campanha política do senador Valdir Raupp, constitui matéria a ser resolvida no campo probatório ao longo da instrução criminal”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto, acompanhando o relator, ministro Edson Fachin.
Do voto do ministro Lewandowski depreende-se que, para obter a condenação dos acusados, o Ministério Público precisará provar que eles sabiam da origem ilícita do dinheiro doado. Somente a origem ilícita do dinheiro doado não será suficiente para configurar a prática de crime pelo receptor. Fazer essa distinção não é uma nuance jurídica para facilitar a vida de alguns políticos complacentes com dinheiro sujo. Trata-se justamente do contrário. O combate à impunidade exige rigor para distinguir com precisão o que está dentro da lei e o que está fora da lei.
Desde 2015, o STF reconheceu a inconstitucionalidade das doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas, mas antes não era proibido esse tipo de doação. Da mesma forma, a lei não impunha ao político que recebia a doação responsabilidade pela origem do dinheiro recebido. Sua única responsabilidade consistia em declarar o recebimento da doação junto à Justiça Eleitoral. A responsabilidade pela licitude dos valores cabia ao doador.
O político só é responsável pela origem ilícita do dinheiro se souber dessa origem. Essa exigência é uma regra de justiça, cujo descumprimento gera diversos desequilíbrios. Implodiria, por exemplo, qualquer sistema de financiamento partidário com base em doações de pessoas físicas. É simplesmente impossível que um partido confira a licitude da origem de todos os recursos recebidos. Caso diverso ocorreria, por exemplo, se um político soubesse que recursos provenientes do roubo de um banco foram destinados à sua campanha. Se aceitasse a doação ciente de sua origem ilícita estaria infringindo a lei e deveria, portanto, ser responsabilizado pela ilegalidade. É justamente isso o que o STF vai analisar no caso do senador Raupp – se ele sabia se o dinheiro recebido era proveniente de desvios da Petrobrás.
A decisão da Segunda Turma do STF é de especial relevância para a Polícia Federal e o MPF. Em seu trabalho investigativo devem descobrir e diferenciar quais são os casos em que os políticos sabem da origem ilícita dos recursos e em quais eles não sabem. O que a polícia e a promotoria não podem, até por imperativo moral, é tratar qualquer doação como crime para, depois de produzidas as acusações, buscar as provas do crime. Isso condenará, sem julgamento, toda a classe política. Tratar indistintamente tudo como doação ilegal – ou como propina, como fazem questão de dizer os agente da lei –, além de ser incorreto, é um ato que traz graves consequências jurídicas. O Direito Penal exige exatidão nos conceitos, nos argumentos e nas provas. Só assim é possível fazer a tão necessária distinção entre inocentes e culpados.
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