A primeira reação da Câmara dos Deputados à reforma da Previdência foi questionar pilares da proposta do governo, ao menos na comissão especial encarregada de dar início a sua tramitação.
Conforme levantamento desta Folha, metade dos 36 integrantes do colegiado se opõe à fixação da idade mínima de 65 anos para aposentadoria; a maioria discorda da equiparação de direitos entre homens e mulheres, do novo cálculo do valor dos benefícios e das regras de transição para quem já está no mercado de trabalho.
Das preferências já manifestadas, depreende-se que os deputados queiram normas mais favoráveis aos segurados da Previdência, seja por convicção autêntica ou mero oportunismo.
Faz parte do jogo parlamentar apresentar-se como benfeitor para agradar a plateia, ou obstruir projetos para arrancar favores do Executivo. Nesse caso, os riscos envolvidos não permitem que se perca tempo com ardis do gênero.
Na ausência de reforma, segundo a estimativa oficial, a despesa do Instituto Nacional do Seguro Social aumentará em 1,2% do PIB até o final do próximo governo, em 2022 -um piscar de olhos em termos orçamentários.
Em valores de hoje, são cerca de R$ 75 bilhões anuais, equivalentes a três quartos da despesa federal em saúde, ou a quase três anos de pagamentos do Bolsa Família.
Caso o Congresso se furte a sugerir cortes nessas ou noutras áreas, restam as alternativas de elevar a dívida pública e os impostos.
Excluída a opção letal pelo endividamento extra, os parlamentares deverão explicar por que uma alta da carga tributária, em si controversa, deveria financiar um sistema previdenciário de custo já aberrante, comparável aos de países ricos com populações mais idosas.
Além do mais, no curto prazo uma reforma precária tende a abortar a incipiente recuperação da economia. A começar, porque ficaria inviabilizado o teto estabelecido para as despesas públicas.
A regra incluída na Constituição impede que, nos próximos anos, o gasto total do governo (excluindo juros) seja mantido constante em termos reais. Se não for sustada, a alta dos encargos previdenciários tomará o lugar de prioridades como combate à pobreza, saúde, educação e infraestrutura.
Como tal hipótese é impensável técnica e politicamente, o teto teria de ser abandonado em prazo não muito longo. Sem ele, deixaria de ser crível o compromisso de conter o crescimento da dívida federal.
Ao fim e ao cabo, estaria de volta a crise de confiança que foi um dos estopins da aguda recessão que só agora o país começa a superar.
Os congressistas têm escolhas legítimas à disposição. Podem emendar a reforma, com ajustes pelo lado da receita, de outras despesas ou do desempenho da economia. Só não há como se furtar à responsabilidade por uma decisão crucial.
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