domingo, 5 de março de 2017

Ilha rompeu contratos para garantir recursos à Odebrecht

Raquel Landim – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Para garantir recursos às obras tocadas pela Odebrecht, o governo cubano rompeu contratos com outros exportadores brasileiros. A empreiteira absorveu 64% dos US$ 980 milhões em financiamentos aprovados pelo BNDES para a ilha entre 2009 e 2014.

No início, quando o governo Lula decidiu apoiar Cuba e participar de investimentos no país, o compromisso era emprestar US$ 600 milhões.

Os recursos seriam aplicados em projetos de vários setores, como infraestrutura, farmacêutico e turismo, e liberados durante quatro anos.

Em outubro de 2009, um ano após o início do projeto, uma missão cubana esteve em Brasília e visitou vários membros do Cofig. Os cubanos queriam convencer os brasileiros a cancelar contratos já assinados e direcionar recursos para o porto de Mariel.

Técnicos do Ministério do Desenvolvimento e do BNDES argumentaram que o fim dos contratos prejudicaria outros exportadores brasileiros, mas não tiveram êxito, segundo os documentos examinados pela Folha. Nos meses seguintes, Cuba cancelou vários contratos unilateralmente, e as tentativas dos técnicos de punir o país não prosperaram.

Uma das maiores empregadoras de Cuba depois do governo, a Odebrecht tinha prestígio com os irmãos Castro. Numa visita de Lula a Mariel, Raúl disse que "os cubanos deveriam aprender com a Odebrecht", conforme telegrama diplomático revelado pela Folha em novembro.

OUTRO LADO
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que recebeu recursos da Odebrecht e de outras empresas como remuneração por palestras que fez depois de deixar o governo, mas negou por meio da assessoria de imprensa do Instituto Lula que tenha recebido para defender os interesses da empresa em Cuba.

Como Lula tem reiterado desde que se tornou alvo das investigações da Operação Lava Jato, o Instituto Lula afirmou que as palestras são a única atividade remunerada do ex-presidente desde que entregou o cargo a Dilma Rousseff, em janeiro de 2011.

Ele confirmou ter feito uma palestra em Cuba no dia 26 de fevereiro de 2014 –"mais de três anos depois de deixar a Presidência da República"– e informou que recebeu por ela o mesmo valor de referência das demais 72 palestras que realizou entre 2011 e 2015 para mais de 40 empresas.

Questionado pela Folha sobre os motivos que o levaram a ignorar a recomendação dos técnicos do governo e aceitar garantias consideradas frágeis para os empréstimos cubanos, Lula não respondeu. Também não quis discutir se a amizade com Fidel e Raúl Castro influenciou a decisão de dar aval aos empréstimos destinados a Cuba.

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) informou que, dos US$ 980 milhões liberados para Cuba nos últimos anos, foram desembolsados US$ 775 milhões de 2009 a 2016, beneficiando 25 exportadores brasileiros.

O banco estatal afirmou ainda que o Fundo de Garantia à Exportação (FGE), desde sua criação, já arrecadou US$ 1,2 bilhão em prêmios pagos por diversos países para utilização do seguro que ele oferece às operações contratadas pelo BNDES.

Já as indenizações pagas pelo FGE ao Tesouro por causa de inadimplência dos importadores ficaram em apenas US$ 36,5 milhões, sendo que US$ 18,9 milhões foram recuperados posteriormente. O banco não disponibilizou dados específicos para Cuba.

Procurados, o Ministério da Fazenda e o Tesouro Nacional não responderam às perguntas da reportagem.

A Odebrecht, que no ano passado fechou acordo com o Ministério Público Federal para colaborar com a Operação Lava Jato, preferiu não dar entrevista, argumentando que os contratos eram fechados pelos governos do Brasil e de Cuba e que a empresa era só interveniente.

A assessoria de Dilma também não se manifestou.

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