Correio Braziliense
Fernando Henrique Cardoso endossou o coro dos que criticam o vazamento das delações premiadas e defendeu uma espécie de separação do joio do trigo
As delações premiadas dos executivos da Odebrecht ainda estão em sigilo, mas parte de seu teor já chegou ao conhecimento público em razão dos depoimentos na Justiça Eleitoral de Marcelo Odebrecht e mais quatro executivos da Odebrecht envolvidos nas operações de financiamento da campanha da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, via caixa dois da empresa. Os depoimentos foram prestados na ação de cassação da chapa impetrada pelo PSDB, a pedido do relator do processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Herman Benjamin.
A reação é uma espécie de Deus nos acuda no establishment político do país. O ex-diretor da Odebrecht Fernando Reis, por exemplo, disse, em depoimento, que foi incumbido de repassar R$ 4 milhões à tesouraria do PDT em troca do apoio do partido à reeleição da chapa Dilma-Temer. Esse teria sido o preço do acordo feito com o presidente da legenda, Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho do governo petista (aquele mesmo que disse “Dilma, eu te amo!”, ao pedir desculpas à ex-presidente da República, depois de ser demitido da pasta por ela).
A compra de apoio político é um dos motivos mais fortes para cassação de uma chapa, por isso o depoimento do executivo passou a ser um dos mais importantes no processo. Em nota, Lupi rebateu a acusação com os argumentos de que o “ônus da prova” cabe ao acusador e “o PDT foi o primeiro partido político que declarou oficialmente apoio à chapa de Dilma Rousseff”. Segundo o presidente do PDT, o apoio da legenda, anunciado em 10 de junho de 2014, “aconteceu meses antes do suposto pagamento”.
Mas não somente o PDT estrilou com os depoimentos. Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou publicamente a cobertura da imprensa em relação à Operação Lava-Jato: “Parte do noticiário de hoje (sexta-feira) sobre os depoimentos da Odebrecht serve de sinal de alerta. Em vez de dar ênfase à afirmação feita por Marcelo Odebrecht, de que as doações à campanha presidencial de Aécio Neves, em 2014, foram feitas oficialmente, publicou-se a partir de outro depoimento que o senador teria pedido doações de caixa dois para aliados.”
O ex-presidente da República destacou que Aécio “não fez tal pedido”, nem Marcelo Odebrecht “fez tal declaração em seu depoimento ao TSE”. Para Fernando Henrique, “há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção”.
Verdades alternativas
Fernando Henrique Cardoso endossou o coro dos que criticam o vazamento das delações premiadas e defendeu uma espécie de separação do joio do trigo: “Divulgações apressadas e equivocadas agridem a verdade, e confundem os dois atos, cuja natureza penal há de ser distinguida pelos tribunais”. Segundo o líder tucano, “a palavra de um delator não é prova em si, apenas um indício que requer comprovação. É preciso que a Justiça continue a fazer seu trabalho, que o país possa crer na eficácia da lei e que continue funcionando”.
Acontece que a ação penal contra a chapa Dilma-Temer virou uma espécie de bumerangue. Além de colocar em xeque o governo de transição, voltou-se contra líderes importantes do PSDB, entre eles, o presidente do partido, Aécio Neves, autor da ação, o ex-candidato a governador de Minas Pimenta da Veiga e o senador Antônio Anastasia (MG), cujas campanhas teriam recebido recursos do caixa dois da Odebrecht. “A desmoralização de pessoas a partir de ‘verdades alternativas’ é injusta e não serve ao país. Confunde tudo e todos” — protestou Cardoso. A manifestação é música para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem o tucano foi testemunha de defesa num dos processos que investiga as relações do petista com a construtora OAS.
O ovo da serpente, porém, é origem do caixa dois eleitoral: recursos públicos desviados de obras e serviços, de certa forma, igualam quem só gastou o dinheiro na campanha, quem ganhou para fazer campanha e quem meteu o dinheiro no bolso. É que a Justiça Eleitoral, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, assim como os cidadãos, não fazem a menor distinção quanto a isso: todos os que receberam dinheiro de caixa dois cometeram crime eleitoral, independentemente dos crimes conexos, como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, corrupção passiva ou ativa etc. Esse é busílis da crise ética, que ameaça implodir o sistema político. Só quem pode separar o joio do trigo é o Supremo Tribunal Federal (STF).
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