- O Globo
Durante o consulado petista, Lula encantou-se com a ideia de transposição das águas do Rio São Francisco e transformou-a numa das joias de sua coroa. A obra demorou dez anos e custou o dobro do que se previa, salpicada por mordidas de empreiteiras. Apesar de tudo isso, uma parte do projeto está ficando pronta. As coisas boas também acontecem.
Desde janeiro, as águas do São Francisco saem do lago da barragem de Itaparica, em Pernambuco, percorrem 222 quilômetros pelo chamado Eixo Leste e entram na Paraíba. Na próxima quinta-feira, elas chegarão ao açude de Poções, no município de Monteiro, de onde descerão por gravidade para o reservatório de Boqueirão, que abastece Campina Grande e outras 18 cidades.
Ao contrário do que diziam os adversários do projeto, a transposição das águas do São Francisco não foi “a Transamazônica do Lula”. A ideia foi vista com um certo preconceito regional, e uma greve de fome de um bispo transformou em problema algo que era solução. No capítulo dos grandes projetos petistas, o do trembala, que ligaria o Rio a São Paulo, apanhou muito menos que o da transposição. Com uma diferença, a velha ideia das águas do São Francisco era boa e deu certo. Felizmente, o trem-bala ficou no papel.
Os quilômetros de canais que atravessam o semiárido estarão para Lula assim como Brasília está para Juscelino Kubitschek. (Também vai para a conta do estilo petista de operar; a transposição de R$ 200 milhões para o bolso de maganos metidos na obra do Eixo Leste.)
Em janeiro passado, quando inaugurou uma estação de bombeamento no município de Floresta, em Pernambuco, o presidente Michel Temer pareceu generoso: “Quero render homenagens aos governos anteriores que tiveram a ideia, desde 15 anos atrás, de fazer a transposição” Deu também uma aula de Ciência Política: “Aqui no Brasil é assim, quando você faz uma obra o sujeito esquece quem começou”.
Temer esqueceu o nome de Lula e fez uma conta astuciosa. O primeiro projeto de transposição de águas do São Francisco para terras do semiárido é de 1847. Há “15 anos atrás” (portanto, em 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso) continuava-se no mundo dos debates e dos projetos centenários. Quem transpôs a ideia para a vida real, arrostando anos de críticas, foi a jararaca petista. Temer tem o mérito de estar concluindo uma obra que estava encalhada no final do governo de Dilma Rousseff. Tendo seu quinhão no êxito, não deve fazer com Lula o que ele fez com Fernando Henrique, jamais reconhecendo o valor da moeda estável que lhe entregou em 2003.
Odebrecht é o rei dos malandros
Ao contrário do que tenta fazer crer, Marcelo Odebrecht nunca foi o bobo da corte, muito menos um otário qualquer. Bem-nascido, bemeducado e bem relacionado, ele deixou-se coroar como o Rei dos Malandros. Se tivesse vivido alguns meses na velha Lapa de Madame Satã, onde Ismael Silva jantava no Capela e o imenso Boi tomava conta da porta do cabaré Novo México, saberia que o Rei dos Malandros era um otário.
Doutor Marcelo nunca teve a competência do avô, faltou-lhe a discrição do pai e chutou o balde de velhos sócios, julgando-se senhor da Justiça baiana. Misturou caixa um com caixa dois e deu inédito formato empresarial a um departamento de propinas.
Como Rei dos Malandros, Marcelo Odebrecht nunca foi um bobo qualquer. Arruinou sua empresa, tisnou seu sobrenome, está na cadeia, mas continua acreditando que os otários são os outros.
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