Por Maíra Magro | Valor Econômico
BRASÍLIA - Além das prisões preventivas postas em xeque, a Operação Lava-Jato enfrentará nesta semana mais uma prova de fogo no Supremo Tribunal Federal (STF). Duas ações entrarão em discussão para que a corte decida sobre a validade da condução coercitiva, usada para levar um investigado ou acusado a depor, sem aviso prévio, com autorização judicial. As ações foram apresentadas pelo PT e pela OAB e o relator é o ministro Gilmar Mendes.
A discussão une-se a várias outras em pauta no STF que afetam diretamente a Lava-Jato: a validade ou não das delações premiadas negociadas com a Polícia Federal, a extensão do foro privilegiado e os limites para o uso de interceptações telefônicas.
A Lava-Jato já usou a condução coercitiva 202 vezes ao longo das investigações, segundo dados do Ministério Público Federal. A mais polêmica envolveu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conduzido coercitivamente a depor em março de 2016 por ordem do juiz Sergio Moro.
Supremo examina pauta que pode afetar diretamente a Lava-Jato
Além das prisões preventivas postas em xeque, a Operação Lava-Jato enfrentará esta semana mais uma prova de fogo no Supremo Tribunal Federal (STF). A corte pautou para quinta-feira duas ações que discutem a validade da condução coercitiva, usada para levar um investigado ou acusado a depor a força, sem aviso prévio, com autorização de um juiz. As ações foram apresentadas pelo PT e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O relator é o ministro Gilmar Mendes.
A discussão une-se a uma série de outras em pauta no STF que afetam diretamente a Lava-Jato e outras investigações criminais: a validade ou não das delações premiadas negociadas pela Polícia Federal, a extensão do foro privilegiado e os limites para o uso de escutas telefônicas.
A Lava-Jato já fez 202 conduções coercitivas ao longo das investigações, segundo dados do Ministério Público Federal. A mais polêmica envolveu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levado coercitivamente a depor em março de 2016 por ordem do juiz Sergio Moro.
Nas ações levadas ao Supremo, PT e OAB defendem que a condução coercitiva é inconstitucional por violar o princípio da não incriminação, pelo qual ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. Outro argumento é que violaria o direito de defesa, ao dificultar a orientação do advogado ao cliente antes de ele ser interrogado.
As ações questionam o artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP), segundo qual "se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença". O criminalista Thiago Bottino, que representa o PT no caso, argumenta que o interrogatório é um instrumento de defesa do investigado ou do acusado, e não um método de produção de provas. Por isso, segundo ele, seria um ato facultativo. O investigado ou réu pode optar pelo silêncio e não é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
"Com a condução coercitiva, você cria um ambiente de intimidação em que se torna muito difícil o direito ao silêncio", diz o advogado, autor de uma tese de doutorado sobre o assunto. De acordo com ele, a escolha entre confessar ou não um crime tem que ser tomada de maneira racional e bem informada. "O ambiente que se cria quando se tira de casa uma pessoa a força, de surpresa, e ela é conduzida para um local desconhecido, às vezes até para outros Estados, dificultando o contato com a família e com o advogado, impedindo que ela conheça o que existe contra ela na investigação, tira da pessoa as condições emocionais para que ela possa optar pelo direito ao silêncio", ressalta. Em alguns casos, o investigado é algemado e colocado dentro de uma cela para aguardar o interrogatório, segundo Bottino.
De acordo com ele, o uso da condução coercitiva teria se tornado mais frequente a partir de 2015, com a Operação Lava-Jato servindo de exemplo para muitas outras investigações no país.
O advogado considera que o método pode ser usado para forçar o depoimento em outras circunstâncias, como aquelas envolvendo testemunhas, peritos e demais pessoas que têm o compromisso de dizer a verdade quando questionadas em uma investigação - mas não o investigado ou réu.
A condução coercitiva de Lula, em março de 2016, gerou polêmica no meio jurídico também porque não foi antecedida de uma intimação para que ele pudesse depor de forma voluntária. Para muitos juristas, a condução só se justificaria se o investigado for intimado antes e se negar a comparecer perante um delegado ou juiz.
Na época, Moro justificou que o objetivo de tomar o depoimento em caráter surpresa seria evitar tumultos como os ocorridos no mês anterior, quando o ex-presidente seria ouvido sobre a suspeita de ser o dono de um tríplex no Guarujá.
Investigadores argumentam que a condução coercitiva tem diversas finalidades úteis para a investigação, como impedir a destruição de provas. "Trata-se de medida cautelar muito menos gravosa que a prisão temporária e visa atender diversas finalidades úteis para a investigação, como garantir a segurança do investigado e da sociedade, evitar a dissipação de provas ou o tumulto na sua colheita, além de propiciar uma oportunidade segura para um possível depoimento", escreveu a Polícia Federal ao prestar informações no caso.
A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República (PGR) também se manifestaram a favor do mecanismo. Para a PGR, a condução coercitiva não se contrapõe ao direito ao silêncio e só deve ser declarada indevida "quando realizada com o fim específico de obrigar o conduzido a falar". Segundo a PGR, entre as funções desse mecanismo estão evitar que investigados criem juntos uma versão inverídica sobre fatos e, especialmente, impedir que destruam provas. "A condução coercitiva é meio de garantir eficácia (e afastar prejuízos) à produção de provas no processo penal. Deve, para tanto, ser executada, sempre, mediante prévia justificação de necessidade, evitando que se lance mão de medidas mais gravosas de restrição de liberdade, como a prisão temporária ou preventiva", escreveu a procuradoria ao se manifestar sobre a ação do PT.
A OAB é representada no processo pelo criminalista Juliano Breda, que atuou em diversos casos da Lava-Jato. De acordo com ele, a condução coercitiva infringe o princípio constitucional que veda a autoincriminação ao constranger o indivíduo a comparecer à autoridade policial ou jurisdicional e prestar depoimento contra a sua vontade. Além disso, segundo Breda, o método dificulta a possibilidade de o advogado orientar adequadamente o cliente e ter acesso a todos os elementos da investigação.
Mas se o STF entender que a condução coercitiva é constitucional, a OAB pede uma decisão alternativa determinando que ela só pode ser usada após a recusa do investigado ou acusado em cumprir uma intimação prévia para depor. "Na prática, as prisões preventivas têm sido decretadas mesmo sem que o cidadão tenha sido previamente intimado a prestar depoimento. Isso, no nosso entendimento, caracteriza uma grave violação à Constituição, que não prevê que a liberdade do cidadão possa ser cerceada mesmo que por um curto espaço de tempo fora do que a lei permite", afirma o advogado.
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