Congresso mandou suspender obras, mas o então presidente vetou decisão
Em 2009, investimentos da estatal com graves indícios de irregularidades foram identificados pelo Tribunal de Contas da União, e Congresso cortou verba. Técnicos contestaram argumento do governo para manter desembolso
Quase oito anos antes de afirmar ao juiz Sergio Moro que demitiria toda a direção da Petrobras se soubesse de corrupção na estatal, o ex-presidente Lula foi informado pelo Congresso que três obras hoje investigadas pela Lava-Jato apresentavam graves suspeitas e deveriam parar. O petista, no entanto, vetou a decisão, cujo relatório técnico já citava os executivos envolvidos no esquema de corrupção, informa
Não foi por falta de aviso
Lula recebeu alerta de suspeitas na Petrobras, embora tenha dito a Moro que nada sabia
Cleide Carvalho | O Globo
-SÃO PAULO- Embora tenha afirmado perante o juiz Sergio Moro que demitiria toda a direção da Petrobras caso alguém o informasse sobre a existência de um esquema de corrupção na estatal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu importantes alertas, ainda no exercício do mandato, de práticas suspeitas na companhia, mas não agiu. No interrogatório da última quarta-feira, na sede da Justiça Federal em Curitiba, questionado pelo procurador Roberson Pozzobon, que perguntou se ele tinha conhecimento de corrupção na Petrobras e de repasse de dinheiro ao PT, Lula falou:
— Se, em algum momento, um dos 204 milhões de brasileiros chegasse ao presidente da República e dissesse “tem um esquema de propina na Petrobras”, seria mandada embora a diretoria inteira da Petrobras — disparou Lula.
Mas houve avisos, inclusive oficiais. Em 2009, quatro obras da petroleira foram incluídas pelo Congresso numa lista de 24 projetos que deveriam ficar fora do Orçamento de 2010, sem verba, por terem sido flagradas com indícios de graves irregularidades em auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU). Em todos os casos, a suspeita era a mesma: preço muito acima do inicialmente orçado. Mas, no lugar de aceitar a decisão da Comissão Mista de Orçamento e determinar investigação na estatal, Lula vetou a inclusão das obras da Petrobras na lista e liberou os recursos.
Das quatro obras liberadas pelo veto de Lula, três foram flagradas na Lava-Jato. Uma é a Refinaria Abreu e Lima, uma espécie de ícone da corrupção na estatal: de um custo inicial de US$ 2,4 bilhões, já ultrapassou US$ 23 bilhões; mesmo que opere à plena capacidade durante toda sua vida útil, deve ser deficitária. As outras duas são o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná. A quarta obra da lista era a implantação de um terminal em Barra do Riacho, no Espírito Santo, que, até agora, não apareceu nas investigações.
Em 2009, os investimentos da Petrobras alcançavam R$ 44 bilhões, quase 60% do orçamento do Ministério das Minas e Energia. Além do sobrepreço, o TCU apontou ainda valores de referência inflados e pagamentos questionáveis, como o custo determinado para equipamentos parados ou em serviço.
Não bastasse isso, o TCU registrou em seus relatórios de 2009 enorme dificulpoderiam dade de acesso aos documentos de licitações e valores contratados, que não foram fornecidos pela Petrobras. O órgão relatou obstrução dos trabalhos de fiscalização e chegou a convocar o então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, para tentar obter as informações.
Naquele ano, a Refinaria Abreu e Lima estava só no começo. Os contratos somavam R$ 2,77 bilhões, mas o TCU só conseguiu analisar quatro deles, uma amostra de apenas R$ 347 milhões. Ainda assim, o sobrepreço identificado foi de R$ 121,6 milhões. No relatório da obra, o órgão afirmou que, enquanto a estatal lhe informava que a refinaria custaria US$ 4,05 bilhões, no site do governo federal o investimento estimado chegava a US$ 23 bilhões.
No contrato da Repar, refinaria que estava sendo modernizada, o TCU descobriu que o “preço secreto” da Petrobras, que serve como referência para avaliar as ofertas nas licitações, havia sido inflado, contaminando todos os contratos. Em R$ 8,6 bilhões de contratos analisados, o sobrepreço alcançava R$ 4,04 bilhões. “O cálculo do sobrepreço permite concluir que esse valor (da obra) pode ser reduzido à metade. A economia da metade desse valor seria seis bilhões de reais”, afirmou em relatório.
Numa foto que mostra o Centro Integrado da Repar, anexa ao relatório, o TCU afirmava que o metro quadrado do prédio custou R$ 14 mil, enquanto um bom imóvel no centro de Curitiba custasse R$ 2 mil por metro quadrado. A Rodovia do Xisto, de acesso à refinaria, segundo o TCU, chegou a custar 164% a mais do que obras similares do DNIT, o departamento de obras rodoviárias do Ministério dos Transportes.
Entre os responsáveis pelas licitações, estavam Renato Duque, ex-diretor de Serviços da estatal condenado a 51 anos de prisão na Lava-Jato, e o exgerente Pedro Barusco, que se tornou delator e devolveu quase US$ 100 milhões que arrecadou em propina. Ambos atuaram para o PT, de acordo com suas delações. Outro citado nas auditorias foi Paulo Roberto Costa, o ex-diretor de Abastecimento que afirma ter arrecadado dinheiro para o PP.
No terminal Barra do Riacho, o TCU classificou a gestão da obra como temerária. Os quatro projetos da Petrobras foram parar na lista das obras com graves indícios de irregularidades, encaminhada ao Congresso, a quem cabe analisar o Orçamento da União.
Na reunião da Comissão Mista de Orçamento, que decidiria se as obras deveriam ou não receber recursos, senadores protestavam pois a Petrobras fez com a comissão o mesmo que fizera com o TCU: não levou à reunião as informações que indicar a existência de ilícitos.
— Nós precisamos que a Petrobras preste esclarecimentos não apenas ao TCU, mas, diante do que diz o TCU, preste esclarecimentos aos parlamentares nesta reunião porque nós precisamos tomar uma decisão — reclamou, à época, o ex-senador Almeida Lima (PMDB-SE), presidente da comissão.
Como não obtiveram informações detalhadas, os parlamentares acabaram incorporando o Comperj à lista inicialmente formada por somente três obras, todas com sobrepreços generalizados.
À época, o TCU apontava sobrepreço de R$ 140 milhões no Comperj. O pagamento por dias parados durante a terraplanagem alcançava R$ 151 milhões. O TCU chegou a afirmar que não era “de estranhar” que apenas 26,86% dos serviços tivessem sido executados porque o consórcio estava auferindo lucro muito maior com a verba indenizatória por paralisações do que pela execução da obra.
Todas as suspeitas, questionadas diretamente à empresa, não influenciavam o julgamento de Lula, que, em 2010, dizia conhecer bem as contas da companhia, a ponto de discursar, no batismo da plataforma P-57 da Petrobras, em Angra dos Reis.
— Houve um tempo em que a diretoria da Petrobras achava que o Brasil pertencia à Petrobras, e não a Petrobras ao Brasil. A ponto de ter presidente que dizia que era uma caixa preta. No nosso governo é uma caixa branca e transparente, nem tão assim, mas é transparente. A gente sabe o que acontece lá dentro e a gente decide muitas das coisas que ela vai fazer — afirmou o presidente.
A defesa de Lula não quis se manifestar. Luís Adams, chefe da Advocacia-Geral da União na época, afirmou que as discussões com a Petrobras eram sempre difíceis, pois a estatal alegava sigilo comercial para não apresentar todas as informações, já que é empresa de economia mista. Além disso, também era questionada a tabela de preços de mercado usada pelo TCU, pois a empresa alegava que os preços variavam de acordo com o local da obra e tinha suas próprias tabelas de referência.
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