- O Estado de S.Paulo
Sergio Moro assina prefácio de novo livro sobre infraestrutura. Alguém se espanta?
Corrupção do tipo mais conhecido no Brasil, o assalto ao bolso do contribuinte é um dos grandes temas de um novo livro sobre infraestrutura, produzido com a participação de um time respeitável de economistas, advogados e especialistas em administração. O volume foi lançado em São Paulo um dia antes de comparecer à Justiça Federal, em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chefe de governo durante os primeiros oito anos da mais ampla e organizada pilhagem do Estado nacional, conhecida, em sua face mais vistosa, graças à Operação Lava Jato. O depoimento de Lula será lembrado por mais tempo do que a noite de autógrafos.
Ele converteu o evento em algo muito especial quando atribuiu exclusivamente à sua mulher, a falecida Marisa Letícia, qualquer interesse em relação ao triplex do Guarujá. Além disso, apontou o empresário Léo Pinheiro, da OAS, uma das maiores empreiteiras do País, como um esforçado vendedor de apartamentos. Morta em fevereiro, a ex-primeira-dama apareceu também com destaque numa declaração do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. Dela partiu, segundo Bumlai, a solicitação de compra do terreno para o Instituto Lula. Os dois depoimentos serão apenas mais um exemplo notável de coincidência casual?
Um dia antes do interrogatório de Lula no tribunal federal de Curitiba, o nome do juiz Sergio Moro chamou a atenção, em São Paulo, de quem foi ao lançamento do livro Infraestrutura – Eficiência e Ética, organizado pelo economista e consultor Affonso Celso Pastore, professor da USP, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e ex-presidente do Banco Central. O nome de Moro aparece na capa do volume, indicando o autor do prefácio.
É, no mínimo, incomum a presença de um juiz como prefaciador de um livro sobre investimentos em pontes, estradas, portos, aeroportos, centrais elétricas e redes distribuidoras de energia. A participação de advogados e professores especialistas em Direito Público e Comercial, como Carlos Ari Sundfeld, Claudia Polto da Cunha e Modesto Carvalhosa, é muito mais previsível. Eles podem tratar de assuntos como a lei de concessões, a segurança contratual e o risco regulatório associado à excessiva intervenção do Estado, alguns dos temas de Sundfeld. Podem também discutir a importância de instrumentos de garantia como os performance bonds, em uso nos Estados Unidos desde 1894 – assunto explorado pelo professor Modesto Carvalhosa.
Instrumentos desse tipo servem para proteger o contratante – no caso, o Estado – contra o descumprimento ou cumprimento imperfeito das cláusulas contratuais. Protegem contra o desleixo e a inépcia, mas também contra a malandragem. A discussão tem sabor teórico, mas o texto do professor Carvalhosa contém uma seção sobre a corrupção sistêmica e o capitalismo de laços, bem caracterizados, no Brasil, na atuação de grandes empreiteiras envolvidas na execução de projetos públicos e na exploração da infraestrutura.
Um capítulo inteiro, escrito por Maria Cristina Pinotti, é dedicado aos efeitos econômicos da corrupção – como desperdício de recursos, perda de produtividade e redução do crescimento econômico. A ineficiência resultante da associação criminosa entre empresários e agentes públicos é muito mais devastadora que outros problemas associados à propina, mostra o texto. Não por acaso a Itália tem permanecido estagnada há anos, com um dos piores desempenhos da Europa, enquanto outros países da região ganharam produtividade e elevaram seu potencial de crescimento. A Operação Mãos Limpas foi um dos temas de estudo da economista Maria Cristina Pinotti, nos últimos anos.
Ela já publicou artigos sobre o assunto e seu conhecimento da história – do sucesso inicial ao declínio das investigações e dos processos – ilustra o texto preparado para o livro. O exame é essencialmente econômico e evidencia o contraste entre a racionalidade do criminoso – corruptor ou corrupto – e o desajuste introduzido na economia pelo jogo da corrupção.
A maior parte dos textos é dedicada a questões mais comuns nos manuais técnicos. São discutidos esquemas de financiamento, vantagens econômicas das parcerias, formas de atração do capital privado, modelagem de concessões. Há estudos de caso e um bom resumo da experiência paulista com o programa de parcerias. O capítulo, assinado pela advogada Claudia Polto da Cunha e pelo economista Tomás Bruginski de Paula, explora, entre outros detalhes, as características da Companhia Paulista de Parcerias e o funcionamento do fundo financeiro usado como garantia das contraprestações previstas. Cinco de onze contratos assinados já estão em operação, como a Linha 4 do Metrô e o sistema de manutenção e modernização dos trens da Linha 8 da CPTM.
Quando se examina o conjunto, nada parece mais apropriado que um prefácio escrito pelo juiz Sergio Moro. Ele começa lembrando o trabalho do presidente americano Theodore Roosevelt, no começo do século 20, para conter a corrupção. A estratégia incluiu mudanças no financiamento de campanhas eleitorais. Em 1907, o Tillman Act proibiu a doação de empresas.
O texto contém uma análise da experiência americana, passa pela Operação Mãos Limpas e examina mais extensamente os esforços de combate à corrupção no Brasil. Lembra o enfraquecimento da Operação Mãos Limpas e chama a atenção para ameaças à Operação Lava Jato. São citados projetos para restringir a colaboração premiada, impedir a execução da pena antes da condenação final e constranger policiais, promotores e juízes.
Corrupção, é bom lembrar, envolve muito mais que imoralidade e crime. Desperdício, perda de crescimento e de empregos são efeitos muito mais amplos e dolorosos. Fraudes, compadrio e queima de bilhões contribuíram para a crise ainda presente. Corrupção é parte da história da recessão.
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*É jornalista
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