- Valor Econômico
A crise política não vai acabar com a eleição de 2018
Eles apareceram, mais óbvios do que vinham se mostrando, já no fim do semestre, cerca de duas semanas antes do recesso judiciário. Numa festa com artistas, no Rio, exposto a homenagens dias antes e dias depois, em especial nas telas de TV com lugar cativo em auditório do julgamento da chapa Dilma Temer, no Tribunal Superior Eleitoral, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa cunhou todo o conteúdo do seu marketing em uma frase. Pressionado a declarar-se candidato a presidente, não se sabe se por querer ser ou por não ser, perguntou: "Será que o Brasil está preparado para ter um presidente negro?"
Pronto, estava ali o candidato e seu slogan, sua bandeira, com toda uma linha de propaganda a explorar, indicando o que poderia ser sua peça de resistência na campanha eleitoral.
Dias depois, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em auditório assemelhado, em São Paulo, em congresso de jornalistas, também consolidou em uma frase toda a ideia que poderia propagar sua candidatura. "Enquanto houver bambu, vai ter flecha". O cacique, o guerreiro, o procurador que no encerramento de seu comando do Ministério Público logrou, por enquanto simbolicamente, cortar a cabeça do presidente da República, avisava que até 17 setembro a caneta está na sua mão, e seguirá a decapitação que trava com o sistema político, para deleite do eleitorado. Ato contínuo, para efeito demonstrativo, flechou um amigo do presidente Michel Temer e ex-ministro dos governos Lula, Dilma e Temer. Caça premium.
Chegou-se, finalmente, ao fim do trepidante semestre do judiciário e a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, fez um discurso renovando, tal como já fizera em outras reuniões, compromisso com o eleitorado que espera do Judiciário garantias de que um Poder moderador está velando seu sono. O STF, disse, não vai ignorar o clamor por justiça que se ouve em todos os cantos do país.
"As vozes dos que nos antecederam e que velaram pela aplicação do direito com o vigor de sua toga e o brilho de seu talento não deixam de ecoar em nossos corações", acrescentou ao discurso de encerramento.
O juiz Sergio Moro, há mais tempo em ação, já até entrou em pesquisas de intenção de voto e poderia centralizar na sua candidatura o marketing do combate à corrupção, enquanto os procuradores de Curitiba ficariam, por precedência com o uso do slogan como propaganda, com o carimbo de vítimas de políticos que ameaçam barrar a Lava-Jato. Isso incendeia o eleitorado em sua defesa, e já é um caminho de campanha bem traçado.
O ex-ministro Joaquim Barbosa, justificando sua falta de apetite pela candidatura, disse também que não tem dinheiro "nem ninguém atrás de mim com recursos" para fazer frente a uma campanha. Ora, se a propaganda é mesmo o mais caro e continuam proibidas as doações privadas, seria de se supor que os candidatos de toga são os que estão em melhor situação nesse quesito. Pelo menos mais adiantados.
Foi o marketing político que transformou o ex-presidente Lula de um metalúrgico em um político da estatura da carta aos brasileiros; foi o marketing que transformou Fernando Henrique Cardoso de acadêmico em político com plataforma, que respondia à economia, às finanças, às questões sociais; De Fernando Collor, ficou o discurso da caça aos marajás, o arco e flecha menos mortal do seu tempo; Dilma Rousseff foi a mais artificial dos candidatos de que se tem lembrança, construída da cabeça aos pés.
Se levarem adiante a candidatura que insinuam em suas declarações e atitudes, os integrantes da magistratura terão que ser inventados, também, e agora sem a varinha de condão, que são os marqueteiros contratados a peso de ouro pelos partidos. São eles que têm sensibilidade para descobrir o que o produto precisa oferecer em forma e fragrância para atrair o eleitorado.
Os de toga estão melhor equipados para os tempos de economia em campanha, todos eles já têm uma ideia na cabeça, embora o dinheiro não esteja mais à mão. Para os profissionais da área, porém, ainda não podem ser vistos como candidatos. Considera-se que um ou outro, com lastro na política em algum Estado, possa viabilizar-se e apresentar sua candidatura, mas são casos isolados.
"A população é pragmática. Vai escolher alguém para tocar um projeto novo de país e ao mesmo tempo que tenha condições de produzir harmonia entre os Poderes e administrar a crise", avalia o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda. Nenhum dos candidatos de toga fez qualquer menção a um projeto para o país. A crise política não vai acabar com a eleição de 2018, o futuro presidente da República tem que mostrar como vai enfrentá-la e ao mesmo tempo governar.
Também, uma vez candidatos, aparecerão seus deslizes. Mas têm uma vantagem: saíram na frente na construção da candidatura para uma campanha sem dinheiro rolando no marketing.
Nessa questão, também, Lavareda discorda: "O nosso Ministério Público não é uma empresa de construção de candidaturas, é de demolição de candidaturas". Para o cientista político, a última pesquisa Datafolha mostrou que há apenas dois candidatos naturais do eleitor, os que são citados espontaneamente: Lula, com 15%, resgatando a antiga posição do PT, à esquerda; e Bolsonaro, com 8%, à direita. Na sua opinião, a candidatura de centro ainda vai ser construída. "E acredito que será uma construção política, terão que ver as alianças e arrebatar o maior número de partidos para aumentar o tempo de propaganda na televisão. É lógico que esse candidato vai aparecer, como também vão aparecer, pelo meio político, candidaturas nos Estados", vaticina.
Toda a argumentação do especialista remete os aflitos, que não veem nada surgir a exatamente um ano do início da campanha eleitoral de 2018, à política, e só a ela. "Não há candidaturas postas, isso é singular, a primeira vez na nossa história eleitoral. Mas vão aparecer, ou os graus de exigência da população vão ter que ser ponderados".
Não se vislumbra um Congresso Nacional de maioria de promotores públicos. Estamos no Brasil, e os candidatos serão brasileiros, construídos na política para integrar o sistema político. A avalanche de togados é, por enquanto, uma ilusão de ótica.
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